segunda-feira, 2 de maio de 2016

ROCK AND ROLL (10)

– What do you think happened?,
pergunta o Neil.
– Não sei, Neil, não sei mesmo,
digo eu enquanto o Neil continua a arrumar as coisas, que não são muitas. O Neil vai-se embora, vai regressar para Springfield, no Illinois, depois de ter descoberto que a,
– nunca me disseste o nome dela,
digo eu,
– you never asked,
diz o Neil, acho que há alguma tristeza na voz dele, não sei se por eu nunca ter perguntado o nome dela se por ele ter de o dizer e recordar,
– Sara, her name is Sara, kind of like the desert, right?,
ele olha para mim,
– you look surprised,
mas eu não respondo e continuo onde estava. O Neil vai-se embora, vai regressar para Springfield, no Illinois, depois de ter descoberto que a Sara tinha trocado o professor de educação física com uma deficiência na fala por um veterano de arquitectura, jogador de râguebi aos sábados, surfista aos domingos e pandeireta da tuna arquitectuna de segunda a sexta,
– that’s just too much for me,
disse o Neil,
– I can’t handle that, I just can’t handle it. I have a daughter, you know, and I left my daughter for this… for this… girl… I don’t even know what to say about her. What would you say about her? I mean, now you know her name, so you know everything about her, ‘cause I told you everything about her, what she did to me, so if I’d ask you what do you think about her, what would you say?
E eu olho para ele e digo,
– vai para casa, Neil. Não é para a tua casa em Cascais, é para a tua casa nos Estados Unidos. O que é que estás aqui a fazer?
E o Neil pega na mochila e nas duas guitarras, vai regressar com o mesmo que veio, e depois pega numa das guitarras, na guitarra preferida dele, e estende-a para mim,
– you take this, my friend,
eu olho para a guitarra que tenho nas mãos,
– you don’t have to say anything, and don’t worry, I travel light.
E acabava assim, comigo a olhar para o Neil, ele com uma guitarra e uma mochila às costas, eu com a guitarra preferida dele nas mãos. Era um final em aberto cheio de significados. Eram dez capítulos ou dez músicas sobre como começar outra vez, sobre como podemos voltar para trás ou como podemos seguir em frente, era um final em aberto em que o Neil eventualmente reencontrava a vida e eu eventualmente reencontrava o amor.
Era um final em aberto.
Mas o Neil ainda tinha de ir até ao aeroporto e eu ia levar o Neil até ao aeroporto, e a meio da A5 ele voltou a perguntar,
– what do you think happened?,
e eu voltei a dizer,
– não sei, Neil, não sei mesmo.
Ele está a falar de ti. Ele está a falar da maneira como apareces e desapareces, ele está a dizer que agora que ele se vai embora tem medo que te vás embora também, ele está preocupado comigo, ele acha que eu vou sucumbir debaixo da minha própria angústia e que não vou aguentar. Mas ele quer contrariar isso e diz,
– don’t worry about it,
e diz,
– it’ll be fine,
e,
– you know, I have a good feeling about this,
mas eu acho que ele só está a tentar animar-me.
Estamos a falar de ti,
– the woman who is a goddess,
como diz o Neil. Estamos os dois no aeroporto da Portela, eu e ele. O Neil vai para Berlim, depois para Nova Iorque, depois para Springfield, no Illinois,
– you know, I’m glad I have someone to say goodbye,
diz o Neil a rir. E dá-me um abraço. Era suposto estares aqui, era suposto teres dito qualquer coisa. Era suposto despedires-te do Neil. Mas disseste,
– quero estar sozinha,
e enquanto ele se afasta para o check-in penso naquela imagem da Pioneer 10, a vaguear pelo espaço, naquelas duas figuras, homem e mulher, o homem a dizer
– olá,
ou
– adeus,
consoante a interpretação, e penso que eles deviam estar de mão dada, e penso que deverias estar agora ao meu lado a dar-me a mão enquanto eu ergo o braço e o Neil se volta para trás e diz,
– don’t you worry, everything will be fine.
Pego no carro e volto para casa. Estou à espera de te encontrar à porta de minha casa, sentada no chão, à minha espera. Não estás sentada no chão à porta de minha casa à minha espera. Vou dormir. Sonho com o Neil a voar sobre o Atlântico. O Neil a voltar para onde nunca devia ter saído.
É amanhã. Levanto-me da cama. Vou acordar cedo, com o Sol a nascer. Vou até à varanda. Acendo um cigarro. Olho para cima, 
E depois o despertador toca, não, e depois a campainha toca. 

Sem comentários:

Enviar um comentário