sábado, 7 de maio de 2016

ROCKET MAN

– Diz o nome de um cão.
– Tem de ter um significado?
– Claro, mas uma coisa que não se perceba.
Ela pensa um bocado.
– Rocket.
O Rocket era um rafeiro. Ninguém sabia nada dele, do passado dele. Tinha sido encontrado a vaguear por uma avenida movimentada da cidade, sem coleira, sem uma placa de metal que lhe dissesse o nome ou um número de telefone para quem ligar caso o encontrassem. Estava mal nutrido e desidratado, não estava a morrer, mas em geral poder-se-ia dizer que estava em muito má condição, e apesar de não ter oferecido resistência quando o apanharam, os empregados municipais sentiram algum receio quando ele olhou para eles depois de o prenderem. O Rocket  era um cão grande. O veterinário da Câmara, um homem obeso com barba branca e uma cicatriz em forma de serpente no braço direito,  pesou-o e fez aquilo que os veterinários da Câmara fazem quando um cão é apanhado na rua, por exemplo dizer,
– oito anos,
depois de lhe examinar os dentes,
– talvez um ano,
depois de lhe perguntarem há quanto tempo ele estaria abandonado,
– ele precisa de vitaminas,
depois de descalçar as luvas de borracha.
Chamaram-lhe Rocket e levaram-no para uma espécie de jaula individual onde ele passava a maior parte do tempo na companhia de outros cães que passavam o dia a ladrar. Não era desconfortável, era apenas uma condição. O Rocket mantinha-se em silêncio, Duas vezes por dia levavam-no a passear para um jardim e atiravam uma bola para longe na esperança que o Rocket fosse buscá-la. O Rocket olhava para a bola e não se mexia, apenas continuava a andar, às vezes com os olhos baixos na relva, outras vezes com o focinho erguido, como se procurasse alguma coisa. Os jovens voluntários do canil municipal davam-lhe festas e biscoitos. O Rocket olhava para eles e afastava-se, deitava-se na relva e fechava os olhos, nenhum deles sabia no que ele estaria a pensar.
Às vezes alguns dos cães eram levados. Vinham pessoas, casais com um filho ou dois, apontavam para um cão e depois de se baixarem e de lhes darem festas, sorriam e iam-se embora com eles. O Rocket olhava para esta cena sem grande emoção, o que não causava surpresa, uma vez que nunca o tinham visto abanar a cauda.
Um dia, uma mulher apontou para ele. Ela estava sozinha. O Rocket saiu da espécie de jaula com pouco entusiasmo e olhou para ela com o mesmo olhar com que tinha encarado os funcionários municipais no dia em que foi capturado. Ela não pareceu preocupada e baixou-se para ele. O Rocket cheirou-a e aproximou-se, passou o pescoço e o dorso pelas pernas dela, ela abraçou-o. Toda a gente estava surpreendida.
Ela levou-o para casa e nas semanas a seguir o Rocket passou os dias dividido entre esperar que ela regressasse a casa e passear com ela pela cidade. Davam longos passeios, muitas vezes até um parque onde ela o soltava. O Rocket não se afastava dela, a não ser quando ela atirava qualquer coisa para longe, uma pedra, por exemplo, que ele ia buscar o mais rápido que conseguia para lhe devolver. Em casa, ela deitava-se no sofá onde muitas vezes adormecia enquanto via televisão. Ele olhava para ela sentado no tapete e às vezes ladrava para a acordar, porque sabia que ela lhe ia dar uma festa quando abrisse os olhos, era uma forma de ele saber que aquilo estava a acontecer, que não era apenas um sonho, um sonho de um cão.
O Rocket era um cão feliz. Mas um dia acordou e percebeu que alguma coisa não estava bem. Ela saiu de casa sem se despedir dele e à noite, quando regressou, foi directamente para a cama, como se ele não existisse. Os longos passeios não se voltaram a repetir e uns dias depois, sem que o Rocket percebesse o que estava a acontecer, ela meteu-o no banco de trás do carro e voltaram ao canil municipal. Ela foi-se embora enquanto punham o Rocket outra vez numa espécie de jaula, sozinho. 
O Rocket ladrou a noite toda.
Depois deixou de ladrar. No dia a seguir os voluntários do canil municipal referiram ao veterinário da Câmara que ele não estava bem. Diziam que estava pior do que antes, que parecia que lhe faltava qualquer coisa, talvez a alma,
– os cães não têm alma,
disse o veterinário, enquanto mencionou depressão e receitou vitaminas.
Rocket was a dead dog.

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