segunda-feira, 30 de maio de 2016

PLANO B

Começo a perceber o porquê. Começo a perceber o porquê das coisas acontecerem da maneira como acontecem. Começo a perceber que há uma razão para tudo isto e que no final tudo há-de fazer sentido, que no final hei-de olhar para trás e dizer,
 – ah!,
e rir-me e perceber que só se me afastar e olhar para tudo, para tudo o que aconteceu, é que vou conseguir perceber que afinal havia um objectivo, que afinal não foi tudo aleatório, que afinal eu estava enganado.
Eu escrevo isto e depois levanto os olhos e leio o que escrevi. Estou a pensar,
– Mike, ainda bem que tens noção das coisas, não arrisques, um dia vais reler isto e pensar, se eu não tivesse escrito isto, não ia estar aqui, a olhar para trás, e a pensar que afinal tudo fez sentido. Se eu não escrevesse isto a minha vida ia ser aquilo que está a ser agora até ao fim, e isso não pode ser, porque se continuar assim não aguento muito tempo,
ainda bem que escrevi aquilo, ainda bem que escrevi que começo a perceber que há uma razão para tudo isto e que no final tudo há-de fazer sentido, porque se não tivesse escrito isso, era bem capaz de achar que hoje ou amanhã era capaz de me atirar da varanda, e depois, hoje ou amanhã, era bem capaz de fazer isso, de me atirar da varanda.
Acho que não estou bem. Sei que não estou bem. Fomos para o Porto e foi bom estarmos no Porto. Foi bom estarmos no Porto todos juntos. Estivemos lá cinco dias e parece que foi ontem que saímos daqui, parece que os dias passaram como os sonhos, e que ainda aqui estamos à espera de ir embora, à espera de fazer isto pela última vez.  
(parece que estes cinco dias foram um parêntesis).
Uns estão melhor, outros estão pior, mas acho que é sempre difícil para eles, acho que é difícil dizerem aquelas coisas sem saberem bem se é a última vez que as estão a dizer, e para mim é difícil saber que é a última vez que as estou a ouvir.
Agora ia falar de ti. Não vou falar de ti,
O David está preocupado porque acha que se está a transformar em mim,
– estou a beber demais, estou deprimido, a minha vida amorosa é uma catástrofe, não consigo dormir, tenho o olho esquerdo a tremer – olha para o meu olho esquerdo, olha como ele está a tremer – tenho a sensação de que vou morrer a qualquer momento, parece que tudo se resume a quantos cigarros vou conseguir fumar durante o dia, porque para cada cigarro que fumo parece que há um bocado da minha vida que se apaga e eu tenho medo de estar a fumar cigarros a mais e a apagar a minha vida.
Depois ele cala-se e olha para o mar. Estamos em Espinho, em casa da minha prima, da Cíntia, estamos em Espinho em casa da Cíntia. Ele cala-se e olha para o mar. Temos espectáculo amanhã e ele olha para o mar enquanto diz que fazer Miguel Graça lhe está a dar cabo da cabeça, que lhe está a dar cabo da vida, que desta vez lhe está mesmo  a dar cabo da vida e da cabeça.
Isto é de manhã. O tempo passa. Depois fazemos o espectáculo e vamos à Cunha comer. Quando estou no Porto vou sempre à Cunha comer. Depois continuamos. Depois vamos e vamos. Não estás aqui, acho que estou sempre a pensar nisso, no quanto gostas do Porto e no que
(pára de falar nela, ela que se foda).
Depois o tempo passa, o Zé diz que eu sou um génio, o Tiago quer ir para casa, a Carolina vai comprar cigarros, o Bruno está noutra galáxia, a Diana ri-se
(acreditas que já passou um ano?)
e a Madalena diz,
– estás parvo?
E eu olho para eles e penso que quero mesmo estar aqui, que quero viver sempre assim, a adormecer às sete da manhã, aninhado com frio numa varanda convosco, sentado no chão ou numa cadeira, a ver o sol nascer mesmo que o sol nasça do outro lado. 
E é isso.
E é estranho o sol nascer sempre do lado errado.
E a Madalena diz,
– estás parvo?,
e eu calo-me. E eu olho em volta e começo a perceber que não é complicado, que afinal é simples perceber o porquê, o porquê das coisas acontecerem como acontecem.

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