terça-feira, 24 de maio de 2016

CATÁSTROFE

e enquanto estou a abraçá-la, eu com os braços à volta dela, ela com a cabeça encostada no meu ombro, ouço-a dizer a meia voz,
– ainda bem que vamos para o Porto, acho que vai ajudar.
Duas horas depois estou em casa a olhar para a parede. Deixei de escrever. Não consigo escrever. Tudo o que escrevo é uma merda e por isso mando tudo pela sanita abaixo. Duas horas antes estou a falar com a minha actriz preferida, que me pergunta,
– como é que te estás a aguentar, Mike?,
e eu encolho os ombros e mordo os lábios. Não digo nada e olho para as nuvens. Acho que não estou sequer a conseguir levantar-me da cama, acho que na verdade ainda estou deitado quando estou a falar com as pessoas, com os lençóis por cima do corpo, com os olhos fechados, à espera que seja noite para poder dormir e depois acordar e afinal isto ser só um pesadelo. Mas não é.
(és tão melodramático – e depois levanto-me e passeio pela casa – se calhar devia trabalhar, se calhar devia lavar a louça ou começar a fazer reciclagem, sentir-me bem comigo mesmo, fazer a cama, limpar o pó, arrumar tudo o que está desarrumado, pôr a minha vida em ordem)  
As minhas feridas demoram a sarar. Sou assim. Se me corto a cicatriz não aparece. Ando com um penso para estancar o sangue durante o dia, depois à noite está igual. E às vezes estou assim durante muito tempo, as feridas abertas e eu a passar água oxigenada e a tapá-las com algodão. Deve faltar-me uma vitamina qualquer, ou então é só uma metáfora para a minha alma, é só deus, o destino ou o universo, a gozarem comigo.
Há uns dias sentei-me para escrever uma crónica. Ia chamar-lhe CATÁSTROFE e estava dividida em duas partes, na primeira falava sobre a morte de não sei quantas pessoas distantes que morreram num acidente qualquer lá longe onde não vemos, na segunda falava sobre mim, e falar sobre mim era falar sobre ti, sobre a tua indiferença, e de como isso era uma catástrofe, de como tu eras uma catástrofe maior do que a morte de não sei quantas pessoas lá longe, não sei onde. Ia ser uma boa crónica. Ias ficar impressionada. Depois procurei no google,
– catástrofe,
procurei  nas notícias que não vejo há 15 dias. Nada. Nenhuma desgraça. Nenhum massacre. Parecia que ninguém tinha morrido, parecia que vivíamos num planeta chá-lá-lá, numa colónia hippie, sem mortes nem tormentas, parecia que o mundo inteiro se tinha reconciliado com o destino. Fiquei irritado e fui dormir.
– Mas como é que ninguém morre?
No dia a seguir levantei-me e liguei a televisão,
– CATÁSTROFE NO MEDITERRÂNEO,
dizia o rodapé, enquanto um homem explicava o trajecto de um avião e como 66 pessoas tinham morrido. 66 pessoas mortas por minha causa, pensei. E tudo por tua causa, porque eu queria escrever uma crónica sobre ti.
E acho que não vale a pena escrever sobre ti. Para quê?
– Para quê?,
pergunta o David, que é bem capaz de ser um dos melhores actores do mundo mesmo que ninguém o saiba, quando eu lhe digo que te vou telefonar,
– para quê?,
diz o David, que anda todo fodido por minha causa e por tua causa. Não. Que anda todo fodido porque tu és ela e eu sou ele ou porque eu sou ele e ela és tu. É confuso. Mas ele tem razão, mesmo estando todo fodido da cabeça ele tem razão, porque ele está todo fodido da cabeça, tal como eu estou todo fodido da cabeça, parece que todas as pessoas à minha volta estão todas fodidas da cabeça. Parece que toda a gente está assim, fodida da cabeça, a olhar para qualquer coisa e a ver outra, a olhar para qualquer coisa e a não conseguir ver o que lá está. Parece que não somos nós, que somos outros, mas que é sempre a mesma história.
E a minha actriz preferida disse com um sorriso que era meu há umas semanas,
– bem,
quando lhe perguntei como ela estava. Eu gosto de 

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