quarta-feira, 4 de maio de 2016

MURPHY'S LAW

– Como é que te estás a sentir agora?
Eu olho para o relógio que está pendurado na parede. Faltam 25 minutos para sair daqui. Daqui a 25 minutos vou-me embora. Podia ir agora se quisesse, podia levantar-me e sair pela porta, nem sequer tinha de dizer nada, uma perna à frente da outra, apenas andar até à porta e ir-me embora. Mas não quero fazer isso. Não vou fazer isso. Vou ficar aqui sentado mais 25 minutos a fumar cigarros e a responder com monossílabos,
– sim.
– Sim? Isso é muito interessante. Queres dizer que te sentes positivo?
– Não.
Ele continua a falar. Quando sair daqui, daqui a 25 minutos, vou comprar uma garrafa de whisky e fecho-me em casa até amanhã, só tenho aulas às 11 e já não acordo no tapete há algum tempo. Nem sequer sei porque continuo a vir aqui, a olhar para o relógio e a enfiar ar nos pulmões  para depois suspirar muito alto quando ele acaba uma frase. Ele ri-se quando eu faço isso.
– Sabes quem é que me fazes lembrar?
– Não.
– O meu filho de três anos quando vai ao dentista.
– O teu filho de três anos vai ao dentista?
E ele ri-se muito alto e diz que conseguiu arrancar-me mais que uma sílaba numa frase sem sequer se esforçar muito, ele diz que eu sou muito inteligente para umas coisas mas que para outras sou a pessoas mais estúpida que ele alguma vez conheceu,
– porque às vezes és tão estúpido, Miguel, que dá vontade de te atirar com um tijolo à cabeça.
– Isso foi o que a minha actriz preferida disse,
digo eu.
– E ela tem razão?
– Não sei,
digo eu,
– espero que não,
digo eu.
Ele diz que só tenho mais 20 minutos e quer saber se eu quero falar sobre alguma coisa ou se quero apenas suspirar e responder sim ou não enquanto os 20 minutos passam. Eu olho para ele. Gosto do meu psicólogo, acho que ele se preocupa realmente comigo apesar de me cobrar 70 euros por hora. Mas é isso, se queremos que alguém se preocupe connosco se calhar o melhor é dar-lhe 70 euros a cada hora que passa, pelo menos podemos sair pela porta sem dar explicações, mas eu não quero sair pela porta sem dar explicações, eu quero continuar aqui sentado.
– Queres falar sobre o final?
Há dois meses o meu psicólogo sugeriu que eu escrevesse uma série de crónicas que se afastassem da minha vida, que ninguém pudesse ver como autobiográficas, que ninguém acreditasse nelas,
– para te dar algum sossego,
disse ele,
– para não confundires as coisas. Acho que te estás a deixar afectar por isso. Escreves que estás infeliz e as pessoas acham que estás infeliz, escreves que estás apaixonado e as pessoas acham que estás apaixonado.
Pareceu-me uma boa ideia. E o Neil não se ia importar que eu pegasse nele para escrever o Rock and Roll. Dez capítulos, dois meses, e as pessoas a dizerem-me,
– quando é que acabas com essa merda?,
 e eu,
– eu não sou uma telenovela.
Ele olha para mim.
– As pessoas não gostaram.
– Não, as pessoas não gostaram, as pessoas não gostaram nada. Não quero falar sobre isso, sobre o desenvolvimento lento das personagens, etc.. Não gostaram, pronto.
Olho para o relógio pendurado na parede. Faltam quinze minutos para me ir embora.
– No final ele ouve um despertador que é a campainha. Queres falar sobre isso?
– Não.
– Eu pensei que ele fosse ouvir uma campainha que fosse o despertador. Dava a ideia de que tudo tinha sido um sonho, de que nada tinha acontecido. Era um bom final. Mas se ele ouve a campainha... Não sei... É como se quisesses que uma personagem ganhasse vida e te fosse tocar à porta a meio da manhã.
Eu acendo um cigarro e olho para ele. Estou a sorrir e é a primeira vez que estou a sorrir.
– Talvez ela seja real,
digo eu.
– E a campainha tocou?,
pergunta o meu psicólogo. E não, não tocou, nem de manhã, nem de tarde, nem de noite.
– Talvez estejas a ver coisas,
diz ele,
– talvez precises de um psiquiatra e de antipsicópticos.
E eu olho para ele e o tempo passa. O tempo a passar e eu a olhar para ele.
– Talvez,
digo eu,
– talvez não.

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