quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

LABIRINTO

Estou a entrar naquela fase da vida em que se começa a perder tudo. Perdi o meu instinto, perdi a minha alma, perdi os meus amigos, perdi o meu amor, perdi o meu sorriso, perdi o meu humor e agora começo a perder a vontade de fazer as tarefas mais básicas como comer, dormir ou fazer a barba.
Parti a guitarra do Bruno. Ele ainda não sabe. Foi há bocado. Mas tinha-lhe dito que isso talvez acontecesse. Ele disse-me que desde que me fizesse sentir melhor, que ele não se importava. Só partiu à terceira. Está ali feita em bocados no meio do chão. Nem sequer tenho vontade de ir buscar a vassoura e a pá. Era a guitarra preferida dele. Deu-ma no final do se eu não fechar os olhos, esteve encostada à parede desde aí, mesmo ao meu lado, onde me costumo sentar. Não me estou a sentir melhor. Estou na mesma. Tocaram à porta uns dois minutos depois. Era a minha vizinha de baixo a perguntar se estava tudo bem. Eu pedi desculpa, disse que tinha deixado cair uma chávena de café. Ela olhou para mim.
– E o cinzeiro, também deixei cair o cinzeiro.
Ela voltou a perguntar se estava tudo bem e eu disse que sim, que estava tudo bem. Fechei a porta e voltei a sentar-me.
Estou com vontade de viajar. Não sei para onde. Ainda há dois dias disse que não ia escrever aqui durante uns tempos e afinal continuo a escrever aqui. Talvez para um sítio quente, ou então talvez apenas pegue no carro e ande por aí às voltas umas centenas de quilómetros até encontrar um local isolado com ar acolhedor. Talvez haja um salão com uma lareira e eu me sente à lareira e pense no quão longe estou de casa.
Continuo a encontrar bilhetes anónimos nos lugares mais diferentes, na carteira, na caixa do correio, nos bolsos do casaco, dentro do maço de tabaco. Hoje tinha espetado na janela do carro um,
– RI-TE MIGUEL
sem vírgula nem elegância, escrito nas costas de um daqueles anúncios que deixam nos limpa pára-brisas e que são sempre uma variante de,
– oportunidade única.
Mas vou rir-me de quê? Vou rir-me de mim próprio? Porque isso já fiz, já fiz durante muito tempo e já perdeu a piada. É como ouvir a mesma anedota várias vezes. Às tantas dizemos a quem a está a contar que já a ouvimos e que sabemos como acaba. E as anedotas acabam sempre mal para alguém. Como aquela em que um homem está à frente de um casino a chorar com uma caixa à frente dele. Passa outro homem que lhe pergunta se ele está a chorar porque perdeu no casino.
– Sim.
O outro homem vai perguntando quanto é que ele perdeu. Mil? Dez mil? Cem mil? Um milhão?
– Mais,
diz o homem que chora.
– Se eu perdesse mais de um milhão no casino, a minha mulher arrancava-me o coração.
E depois o homem que chora olha para o outro homem e diz,
– o que é que acha que está dentro da caixa?  
Não me estou a rir. Talvez não seja assim que acabe. Talvez apenas não tenha graça. Talvez não seja uma anedota.  

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