O que é que se faz depois? Não sei. Não é recomeçar porque
afinal nunca se começou, é só agarrar nas coisas e colocá-las noutro lado, num
armário, num caixote, na arrecadação. É só colocar as coisas num armário, num
caixote, na arrecadação? Sim, é só colocar as coisas num armário, num caixote,
na arrecadação e esperar que daqui a muitos anos quando olhar para elas consiga
dizer,
– ah, que estranho, já não me lembrava disto.
Estás a falar de quê? Estou a falar de coisas que se põem em
armários, caixotes, na arrecadação. Coisas, que coisas? Coisas. Como o quê?
Como um puzzle com a imagem da Torre Eiffel ou um livro sobre antropologia.
Pensava que estavas a falar sobre outra coisa. Não, não estava a falar sobre
outra coisa. Pensei que sim. Não. Lembrei-me de ti no outro dia. Foi? Uma peça
de Beckett. Obrigado. Não é um elogio. Pensei
que era. Não te estou a comparar com Beckett. Claro. Achas que te estava a
comparar com o Beckett? Lembraste-te de mim? Sim. Porquê? O actor estava a ler,
disse,
– adeus ao
depois virou a página do livro que estava a ler, ouviu-se um
silêncio, e depois,
– amor.
Adeus ao amor? Sim. Porque estás a falar disso? Lembrei-me
de ti. Tu sabes que eu não quero falar sobre isso. Apenas me lembrei de ti. Isso nem sequer está em cena. Conheces? Sim. Talvez apenas tenha imaginado enquanto lia. Eu não quero falar de
amor, quero falar sobre puzzles com a imagem da Torre Eiffel e de livros sobre
antropologia. Desculpa. Não te rias. O que é que tens feito? Tenho escrito. O que é que estás a
escrever? Pergunta estúpida. Estás a escrever uma peça. Sim. Uma peça nova?
Sim. Que tal está a correr? Bem. Quando vai estar pronta? Para a semana. Tens a
certeza? Sim. Ouvi dizer que não tens escrito nada, que tens passado os dias
quieto, que não falas com ninguém, que não atendes o telefone, que não dormes
de noite, que foges das pessoas, que apenas sais de casa para comer uma
refeição ou comprar tabaco e que às vezes nem sequer sais de casa. Isso é
mentira, quem é que te disse isso? Ouvi dizer que não deixas que as pessoas se
aproximem, que não queres falar com ninguém, que queres ficar fechado em casa,
a dizer às pessoas que estás a escrever,
– estou a escrever,
mas que não escreves nada, nem vês televisão, nem lês, nem
bebes, nem tentas, nem abres a janela, nem mudas de roupa, apenas te deixas
estar sentado a olhar para a parede. Farto-me de sair de casa e de estar com as
pessoas, até passei os últimos dias em centros comerciais a comprar prendas de
Natal. A sério? Sim. Isso é bom. Muito bom. E que tal? O quê? Como é que estás? Óptimo. Como é que te sentes? Óptimo. Onde é que vais passar o Natal? Em casa. Com quem? Sozinho. Porquê? Estou a escrever uma peça, preciso de me concentrar. Estou a ver. Estás? O que é que
fizeste hoje? Nada. E ontem? Nada. E anteontem? Nada. Pensei que estavas a
escrever uma peça. E estou. Pensei que tinhas passado os últimos dias em
centros comerciais a comprar prendas de Natal. E passei. Está frio. Vou ligar o
aquecedor. Estás a falar de quê? Estou a falar do frio, do aquecedor. Pensei
que estavas a falar de outra coisa. Não, não estava a falar de outra coisa. Desculpa.
Cala-te. O que é que vais fazer? Agora? Sim, o que é que vais fazer agora? Não
sei, talvez comprar prendas de Natal. Acho que a esta hora está tudo fechado.
Então vou dormir. Tens sono? Não. Vais conseguir dormir? Não. Então vais fazer
o quê? Nada.
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