terça-feira, 15 de dezembro de 2015

CRAZY HEART

Ando há três dias para te matar. Três dias são muitos dias. Não está a ser fácil. Não te matei ontem, não te matei no sábado, não te matei na sexta-feira. Não és fácil de matar.
Sexta à noite tinha a casa cheia de amigos. Disse-lhes,
– vou matá-la.
E ao contrário do que estava à espera todos acenaram com a cabeça uns para os outros e depois para mim,
– isso é uma boa ideia,
– até que enfim,
– faz isso.
Um dia depois, o meu agente veio visitar-me. Mais uma surpresa agradável na minha vida. À tarde tínhamos visto o Crazy Heart e todos concordaram que era muito Miguel Graça. Depois foram-se embora e chegou o meu agente que se sentou no mesmo sítio onde estava o David, que disse,
– este filme está a matar-me,
com o mesmo tom de voz com que o meu agente disse,
– sinceramente, já nem sei o que te hei-de dizer.
– Então não digas nada,
disse eu.
Hoje fui comprar uma árvore de Natal. Saí das aulas e fui para casa. Sentei-me no sofá. Devo ter ficado uma hora ou mais assim, ainda de casaco e gorro na cabeça. Depois levantei-me e fui comprar uma árvore de Natal. Quando regressei a casa percebi que me tinha esquecido dos enfeites e que uma árvore despida num canto da sala ainda ia ser pior. Volto outra vez para trás e acho que vou ter um ataque de pânico no meio de tanta gente, que vou começar a bater nas pessoas ou a bater em mim mesmo. Quero sair dali mas consigo comprar luzes, bolas vermelhas e uma estrela para pôr lá em cima. Volto para casa. Acabo de montar a árvore de Natal e penso que estou finalmente onde eu sempre quis estar quando era novo. Mas afinal não é nada de especial. Afinal é uma merda. Se ao menos não tivesse descoberto isso antes podia viver este momento de outra maneira, podia viver este momento como uma espécie de epifania, mas não, a redenção não é para mim, para mim apenas sobra uma árvore de Natal iluminada encostada a um canto, a fingir
(esta é a parte mais difícil)
a fingir que
(esta é a parte mais difícil de admitir)
a fingir que não estou sozinho.
Levanto-me e acendo um cigarro. Passeio pela casa. Vou à varanda. Não há luzes acesas e está frio. Volto a sentar-me, escrevo,
– vou matar-te,
e vai ser fácil. Podia trocar-te por outra, o meu horóscopo até diz,
– talvez esta semana conheça alguém que talvez mude a sua vida,
mas são demasiados talvez, ou podia esquecer-te ou apenas deixar que te fosses embora. Mas prefiro matar-te, é mais definitivo e não tenho alma de Petrarca.
Por isso, desculpa, meu amor, estás pronta? 
(isto sim, é o mais difícil)
Estás morta.
Assim.
E agora que morreste tudo é mais fácil. Nem sequer estou a chorar. Claro que vou chorar a tua morte, mas é mais fácil o luto que a esperança.
Acabou.
Estás morta. Estou curado. Tudo se resolveu. A minha persona está curada e eu posso voltar a escrever sobre outras coisas que não tu. Tudo acabou em bem e ninguém se magoou.
Estás morta. Foste só um capítulo. Vou continuar. Vou falar sobre outras coisas  que me acontecem, como árvores de Natal, filmes que vemos nas tardes chuvosas de sábado e visitas do meu agente enquanto se queixa que eu não vendo nada. Vou falar sobre muita coisa, mas não volto a falar de ti porque morreste e os mortos devem ficar quietos, sem que alguém os queira renascer.
Sinto-me bem. Se as coisas fossem tão fáceis na vida como na ficção já te tinha matado há mais tempo.

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