terça-feira, 8 de dezembro de 2015

HONEYBEAR

Os feriados são dias complicados. Não é que todos os dias não sejam complicados, mas os feriados são diferentes, como um permanente desconforto de quem não sabe onde está, como um estrangeiro no próprio país.
Acordei às 10h30 e comecei por me insultar por me ter esquecido de pôr o despertador e agradecer-me por ter conseguido acordar sem ajuda sonora. Tomei banho, fiz a barba, vesti-me. Às 11h00, à porta de casa, lembrei-me que é feriado e que à terça-feira nem sequer tenho aulas às 11h00. Voltei para a cama e adormeci.
Às 13h00 telefonaram-me com boas notícias. Acordei. Passei as mãos pela cara. Fui ao facebook e fiz uma piada. Não gostaste da piada. Descobri que estás chateada comigo. Fui para a sala. Pensei,
– não tenho fome, não tenho mesmo fome, hoje não vou comer.
Liguei a televisão. Estou a rever o Anjos na América, passou na Fox Mulher no meu dia de anos. Estou no segundo capítulo. Estava à procura de um filme qualquer que tivesse passado durante a semana e encontrei sem querer os seis episódios. Tinha-te acabado de dizer que esperava que não ficasses chateada comigo muito tempo, que apenas pensar nisso dava cabo de mim, quando ouvi o Roy Cohn a dizer ao Joe Pitt,
– o amor é uma armadilha,
enquanto olhava para o telemóvel à espera da tua resposta que sabia que não havia de chegar.
Pensei pôr o cobertor por cima de mim e deixar-me ficar deitado no sofá até ter fome. Lembrei-me de um artigo que li ontem sobre seis formas de detectar a depressão e lembrei-me que nenhuma delas referia cobertores e sofás. Depois olhei para o Al Pacino e pensei no que a Eunice me disse há uns anos,
– não te transformes num cínico.
Levantei-me e fui almoçar. Fui a pé. Por estes dias ando com o Father John Misty nos ouvidos. Não ouço mais nada e pareço a personagem da Madalena, sempre assim, com os phones nos ouvidos. Gosto dele. Gosto de como transforma a felicidade em melancolia, gosto de como parece haver sempre um passo em falso que vai destruir tudo, e de como, apesar disso, ele parece tão feliz. Levei o Alain de Botton debaixo do braço que o Victor me deu no sábado. Sentei-me e pensei,
– pede um bife, Miguel,
e pedi um bife.
Comi contrariado, mas comi tudo. Não quis sobremesa. Pedi um café
(cheio)
e peguei no Botton. Veio o café. Não sei se os empregados me dizem alguma coisa porque tenho o Father John a gritar aos meus ouvidos 
– maybe love is just an economy based on resource scarcity,
o wiko merda, o meu telefone, agora nem me deixa baixar o som, acho sempre que estou a incomodar as pessoas com o barulho dos phones mas até é uma analogia interessante com a minha vida, sempre no máximo  mas eu digo sempre,
– obrigado,
quando me trazem o café ou o bife.
Estou a ler o primeiro capítulo.
– «Em conversas, a minha prioridade era que gostassem de mim, muito mais do que dizer a verdade».
Quis fumar um cigarro e tinha o tabaco na cadeira em frente, dentro do casaco. Ergui-me para ir buscar o casaco. Quando regresso, o Father John Misty fica preso à chávena de café e o café vai para cima da mesa, do Botton, do wiko merda das calças.
– É uma bela metáfora para a minha vida.
– Diga?,
diz o empregado.
– Outro café
(cheio).
Levanto os olhos e vejo-te parada, ao longe, à espera do autocarro. O que é que estás a fazer aí parada à espera do autocarro? Que raio estás tu a fazer à espera do autocarro? A não ser que não sejas tu, ultimamente vejo-te em todo o lado, na rua, na mercearia, no outro dia até te vi em minha casa. Estavas sentada à minha frente e estávamos a conversar. Sei que não és tu, mas continuei a conversar porque talvez fosses tu. Talvez fosses mesmo tu e talvez seja por isso que estejas chateada comigo. Sei que não és tu mas peço a conta e vou ter contigo à paragem do autocarro. Desta vez não és mesmo tu e por isso ela que não és tu diz,
– estás a olhar para onde?
Eu peço desculpa e continuo a andar até casa. Está a escurecer

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