terça-feira, 28 de janeiro de 2014

FANTASIA EM DÓ MENOR

Deus, o destino ou o universo, um deles deve ter um sentido de humor apurado quando se lembra de interferir na minha vida. Sou daqueles que quando têm pressa em sair de casa descobrem muito tempo depois as chaves do carro no congelador, ou dos que se lembram um dia de comprar uma "raspadinha" para ver a velhinha do lado, que entrou dez segundos depois, ganhar o jackpot.
Os outros olham para isto e chamam-lhe coincidências ou distracções, incapazes de compreenderem a presença de uma mão metafísica que me esconde as coisas ou que impede que as velhinhas andem com passo apressado.
A única pessoa que algum dia compreendeu esta situação, e que a declarou como um facto indesmentível e não uma paranóia egocêntrica, foi o meu médico, o doutor Diogo Dingo que, soube hoje, morreu no final de Dezembro do ano passado. Cancro, claro.
Dentro dessa classe de curandeiros, foi o único com quem alguma vez consegui comunicar, não só isso, mas o único que encontrava realmente soluções práticas e eficientes para os meus problemas. Odeio médicos. Disfarçam sempre a incompetência com uma desculpa qualquer: os cigarros, o Mcdonald's, o não participarmos na maratona; tudo lhes garante a impunidade. Uma vez fui a uma consulta de rotina com a nova médica de família e apareceu-me à frente uma rapariga que nem sequer era bonita, passou o tempo a fazer-me perguntas parvas do género:
- O senhor bebe?
- Hmm... Sim...
- Porquê?
Nunca mais a vi.
Com o doutor Diogo Dingo as coisas nunca foram assim. Quando andava ansioso e com palpitações, disse-me para passar a beber os cafés sem açúcar, noutra vez, acometido de uma tosse permanente e de um cansaço ofegante, recomendou-me tabaco de enrolar sem aditivos, e quando me queixei de uma crónica indisposição matinal, receitou-me Canadian Club e proibiu-me aquilo que ele chamava «zurrapa martelada», quer viesse da Escócia, dos Estados Unidos ou da Irlanda.
Um dia sentei-me no consultório e depois dos habituais cumprimentos disse:
- Doutor, não me consigo integrar. Não falo com ninguém.
- Vá dar aulas.
E fui.
Tenho razão quando digo que deus, o destino ou o universo, um deles deve ter um sentido de humor apurado quando se lembra de interferir na minha vida, porque no mesmo dia em que soube da morte deste meu amigo, sou obrigado a estar aqui a corrigir testes que não acabam enquanto o meu computador, neste lugar morto de internet, teima em fazer surgir no canto inferior direito do ecrã uma mensagem intermitente que diz:
- you are not connected.


Sem comentários:

Enviar um comentário