Estreou ontem as you like it, no
São Luiz, uma daquelas peças de Shakespeare que pela simplicidade
do título divide os tradutores de tal forma que mais vale
referirmo-nos a ela no original. Fui no dia anterior ao ensaio geral
e profetizo que conhecerá um merecido sucesso entre crítica e
público. Luísa Cruz arrasa como Touchstone e o restante elenco
corresponde de acordo com o talento individual de cada um. Quanto ao
resto, tudo funciona.
Shakesepeare era um génio da palavra e
do pensamento, mas também era um dramaturgo consciente dos gostos do
público, não só do isabelino, mas do ser humano no geral. as
you like it seria hoje muito provavelmente uma comédia romântica
de Hollywood e um garantido sucesso de bilheteira; e é sempre
agradável ver um Shakespeare “descomplicado”, em que o que
importa são os actores e o texto, e não as cabriolas da encenação.
No mesmo dia, na escola, dois
exercícios a partir de Brecht, o que diz sim e o que diz
não. A história, baseada num texto do Teatro Noh, é muito
curiosa: uma expedição de professor e alunos parte numa viagem
pelas montanhas em busca de medicamentos para a peste que se instalou
na cidade. Um dos alunos é demasiado jovem mas insiste em acompanhar
o professor porque a sua mãe está doente. No topo da montanha
começa a demonstrar sintomas de que também ele está doente e os
outros deparam-se com um problema: sendo impossível fazê-lo
transpor a montanha, deverão abandoná-lo ou voltar para trás,
carregando-o de volta? A pergunta é feita directamente ao jovem,
relembrando-o que a tradição dita que ele deve estar preparado para
arcar com as consequências, ou seja, que deve aceitar ser
abandonado. Em o que diz sim, o jovem é atirado para o abismo
para não morrer sozinho, em o que diz não, ele recusa-se a
ser sacrificado e convence os restantes a voltar para trás. Escusado
será dizer que nos identificamos mais com o que diz não do
que com o que diz sim. Somos contra a tradição quando ela é
irracional, somos contra a regra quando ela é injusta.
Voltemos a as you like it porque
também aí as personagens têm de fazer escolhas, e dizem que sim e
dizem que não. Dizem que não à injustiça, à tirania e aos
opressores e dizem que sim ao perdão, à amizade e ao amor (excepto
Jaques – que mesmo aqueles que nunca leram/ viram a peça o
conhecem do discurso: «all the world's a stage» – tem de haver
sempre alguém à parte para que os outros estejam unidos). E é
curioso ver como Shakespeare nos conhece tão bem, como continuamos
iguais, como continuamos a insurgir-nos contra a tirania, a preferir
o exílio à derrota (não será isso que os nosso jovens emigrantes
estão a fazer?), ao mesmo tempo que seguimos a mais antiga de todas
as tradições: em última análise estamos aqui para tentar alcançar
a felicidade, e o amor parece continuar a ser o caminho mais curto
para lá chegar.
Continuamos a dizer que sim e a dizer
que não, as we like it (excepto Jaques).
O amor ou o dinheiro. Venha o diabo e escolha.
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