terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O QUE FICA NO FINAL?

Enquanto o país se afoga devagar, vamos conversando nos cafés sobre o que verdadeiramente nos apoquenta: a co-adopção, a bola de ouro e a comenda do Cristiano Ronaldo, ou a ida de Eusébio para o Panteão. Pelo meio, atiramos uns insultos a Passos Coelho e Portas, olhamos para a lista dos Oscars deste ano (ou para a dos Prémios Nova Gente) e distraímo-nos da forma que mais nos agrada, seja com a telenovela ou com o último comentário de José Gil num jornal de referência. Mas no final do dia olhamos para o lado com a sensação de que nos está a escapar aquilo que é importante.
No sábado fui finalmente ver Sea Wall (Um Precipício no Mar) de Simon Stephens. Conheci-o há uns anos quando ele veio ver, creio, o último dia de Harper Regan no TNDMII. Por esta altura eu deveria contar uma história divertida que nos tivesse acontecido aos dois, transmitia uma suposta cumplicidade entre ambos e implicitamente teria a autoridade para dizer as maiores baboseiras sobre ele. Mas tal não aconteceu. Falámos no máximo uns cinco minutos antes e depois do espectáculo: eu elogiei-lhe o texto e ele elogiou-me Lisboa como se eu fosse responsável por alguma parte do destino urbanístico da cidade, e foi apenas isso.
Na altura andávamos à procura de textos inéditos em português, e o Luís Barros, que fazia a assistência de encenação e que foi o responsável por este breve encontro, contactou-o uns dias ou meses mais tarde e o simpático Stephens lá nos mandou a sua obra completa por e-mail. Foi assim que li Sea Wall. Na altura ainda falámos em comprar os direitos da peça, mas nunca o fizemos.
A personagem única, Alex, já nem sequer é um homem, é uma coisa destruída. A morte da filha de oito ou nove anos estilhaçou-o mais do que uma bala de canhão. Mas isso ele só dirá no final. Tal como nós, Alex vai falando de outras coisas, de fotografias, de matemática, de Deus, do mar.
Tenho andado nestes dias a pensar no espectáculo e na peça, na pena que tenho de não a ter traduzido, nos silêncios e no olhar do actor (João Meireles) e na dúzia de pessoas que estavam presentes no Mirita Casimiro, cinco delas da casa.
E também não sei se é isto que é importante, quando à noite olho para o lado não está lá ninguém.

Sem comentários:

Enviar um comentário