Enquanto
o país se afoga devagar, vamos conversando nos cafés sobre o que
verdadeiramente nos apoquenta: a co-adopção, a bola de ouro e a
comenda do Cristiano Ronaldo, ou a ida de Eusébio para o Panteão.
Pelo meio, atiramos uns insultos a Passos Coelho e Portas, olhamos
para a lista dos Oscars deste ano (ou para a dos Prémios Nova Gente)
e distraímo-nos da forma que mais nos agrada, seja com a telenovela
ou com o último comentário de José Gil num jornal de referência.
Mas no final do dia olhamos para o lado com a sensação de que nos
está a escapar aquilo que é importante.
No
sábado fui finalmente ver Sea Wall (Um
Precipício no Mar) de Simon
Stephens. Conheci-o há uns anos quando ele veio ver, creio, o último
dia de Harper Regan no
TNDMII. Por esta altura eu deveria contar uma história divertida que
nos tivesse acontecido aos dois, transmitia uma suposta
cumplicidade entre ambos e implicitamente teria a autoridade para
dizer as maiores baboseiras sobre ele. Mas tal não aconteceu.
Falámos no máximo uns cinco minutos antes e depois do espectáculo:
eu elogiei-lhe o texto e ele elogiou-me Lisboa como se eu fosse
responsável por alguma parte do destino urbanístico da cidade, e
foi apenas isso.
Na
altura andávamos à procura de textos inéditos em português, e o
Luís Barros, que fazia a assistência de encenação e que foi o
responsável por este breve encontro, contactou-o uns dias ou meses
mais tarde e o simpático Stephens lá nos mandou a sua obra completa
por e-mail. Foi assim
que li Sea Wall. Na
altura ainda falámos em comprar os direitos da peça, mas nunca o
fizemos.
A
personagem única, Alex, já nem sequer é um homem, é uma coisa
destruída. A morte da filha de oito ou nove anos estilhaçou-o mais
do que uma bala de canhão. Mas isso ele só dirá no final. Tal como
nós, Alex vai falando de outras coisas, de fotografias, de
matemática, de Deus, do mar.
Tenho
andado nestes dias a pensar no espectáculo e na peça, na pena que
tenho de não a ter traduzido, nos silêncios e no olhar do actor
(João Meireles) e na dúzia de pessoas que estavam presentes no
Mirita Casimiro, cinco delas da casa.
E
também não sei se é isto que é importante, quando à noite olho
para o lado não está lá ninguém.
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