E de repente estamos em Novembro. E de repente está frio. O
tempo move-se a diferentes velocidades consoante o ritmo dos sentimentos. Parece
que passaram anos desde que comecei a riscar os dias num calendário na parede,
e parece que passaram dias desde que deixei de o fazer. Ontem estávamos os três
a olhar para o mar, quase levávamos com uma onda, lembrei-me dos Tindersticks,
de uma música dos Tindersticks que ouvi pela primeira vez há quase 20 anos. Fui
a um concerto deles no Coliseu e não me consigo lembrar com quem, não me
consigo lembrar quem é que abracei e beijei nessa noite enquanto o Stuart
Staples (que está tão velho) dizia,
– Funny how
everything makes you feel low when you’re already low.
Esqueço-me das coisas.
Não me lembro quem abracei e beijei nessa noite e nem me lembro se
cantaram essa música. Mas agora gosto de pensar que tocaram essa música e que
beijei e abracei alguém. Fomos para casa e pu-la a tocar. Acho que a ouvimos
umas dez vezes seguidas. Quando ouviste o despertador no final disseste,
– isto és tu,
e eu ri-me.
À noite fomos ver o Ricardo
III e gostámos. Bebemos uma cerveja e voltei para casa. Sentei-me e olhei
para as minhas orquídeas novas, que comprei esta semana. Ainda não gosto delas.
Parecem falsas, feitas de plástico. Mas já as reguei, mesmo que ainda não
consiga falar com elas nem beijá-las. Olhei para a parede e pensei,
– não vou conseguir fazer isto,
mas vou.
Acordei cedo. Deixei-me ficar na cama a olhar para o relógio
durante meia hora, a ver o tempo a passar e eu deitado durante meia hora. A
minha casa parece maior do que é, acho que sei porquê. Queria ter explicado ao
Tiago o porquê dos Domingos serem tão longos mas não lhe disse nada. A tarde
passou. Em vez de ouvirmos músicas antigas dos Tindersticks vimos um filme. Lá
fora chovia. Às vezes chovia.
À noite sentei-me ao balcão e pedi um café. Não sei porque
bebo café. Acho que é o hábito. Um homem estava sentado ao meu lado. Já tinha
bebido demais e estava a querer falar com as pessoas. Perguntou-me,
– sabe como é que se chama um boomerang que não volta para trás?
Eu disse,
– não,
sem sequer ter ouvido o que ele disse. Mas depois ouvi o que
ele perguntou. E percebi que não sabia a resposta, que não sabia mesmo a
resposta, que não havia nada que eu pudesse dizer que fizesse sentido. Olhei
para ele e pareceu-me que o conhecia. Mas não o conhecia.
– Não sabe como é que chama um boomerang que não volta para
trás?
– Não,
repeti,
– não sei.
– Então ouça-me com atenção porque vou dizer-lhe a coisa
mais importante que ouviu na vida. Tenho estado a olhar para si, tenho estado a
observá-lo, a beber o seu café, com um ar de superioridade sobre nós todos – a
arrogância não lhe fica bem – pois agora vou dizer-lhe para olhar para mim – olhe
para mim – olhe para mim e perceba a
simplicidade das coisas: não sabe como é que se chama um boomerang que não
volta para trás?
– Não, não sei como se chama um boomerang que não volta para
trás.
– Chama-se um pau. Um boomerang que não volta para trás é
apenas um simples e inútil pau.
E depois pagou, levantou-se e foi-se embora.
E eu fiquei
sozinho, sentado ao balcão.
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