Já nem eu tenho paciência para mim próprio. Ouço-me a falar
em voz alta e penso,
– o que é que estou a dizer?
Tenho a casa cheia de gente. Não sei como é que isto
aconteceu, mas de repente fiquei com a casa cheia de gente. Vieram cá jantar.
Puseram música,
– vamos ouvir Velvet Underground,
– isso é óptimo para animar,
– tens vinho?
Eu aponto para o frigorífico e eles dizem que não estou a
aproveitar o momento, que me estou a fechar no que aconteceu no que não
aconteceu no que podia ter acontecido no que não podia ter acontecido, que me
estou a fechar. Estou farto de mim. Não estou farto de não aproveitar o
momento, estou farto de não haver nenhum momento em que não pense que o momento
podia ser outro.
Deus, o destino e o universo continuam a gozar comigo. Ontem
fui ver dois actores em loop a dizer
uma cena final de um filme. Havia duas sessões, uma à tarde e outra à noite. Eu
fui à noite. Passei o tempo todo a olhar para os actores e a pensar nas diferentes
possibilidades que levam sempre ao mesmo sítio. Achei que a certa altura era
suposto ir-me embora, era suposto sair dali e deixar os actores no loop eterno enquanto eu ia viver a minha
vida. E foi o que fiz. Voltei para casa. Estava bem. Acho que consegui estar
bem durante 10 minutos.
O Pedro diz que eu devia aprender russo e depois ir para a
Rússia.
– Devias aprender russo e depois ir para a Rússia.
E talvez ele tenha razão, talvez deva apenas aprender russo
e ir para a Rússia, às vezes tudo pode ser tão simples como isso. Mas agora que
penso nisso, aprender russo não deve ser assim tão simples e de certeza que ia
odiar a Rússia, nem sequer gosto muito de vodka.
Já nem eu tenho paciência para mim próprio. Estou farto de
ter razão. Porque afinal sempre tive razão. Mas não me serviu de nada. A vida
devia ser mais fácil. Devia vir com um manual de instruções como aqueles do Ikea,
em que um boneco com um ponto de interrogação nos avisa do que não devemos
fazer e outro sorridente nos indica o sítio certo. E é assim que um dia ou um
momento podem ficar (e ficam), e é assim que um momento ou um dia ficam (e podem
ficar), e é assim que
– vou fumar este cigarro e nunca mais vou pensar nesse dia
nesse momento. Este. Este cigarro que tenho entre os dedos.
Quando o apagar, apago tudo,
eles olham para mim e dizem que é o que faço melhor. O Lou Reed diz,
– cure his heart.
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