sexta-feira, 30 de outubro de 2015

LEVIATÃ

Caro Will,
não sei o que dizer, as coisas vão como vão, podia dizer que uns dias melhor e outros pior, mas hoje não sou capaz de dizer isso porque não vejo maneira de parar, parece que não paro de cair e que ao longo dessa queda apenas penso na ideia do embate. Eu sempre a cair sem um chão onde eu possa despedaçar-me.
Hoje fui a Lisboa ver uma peça tua. Estava esgotada. Deve ser agradável ter uma peça em cena esgotada 400 anos depois de se morrer, e a sala nem sequer é pequena. E não havia mesmo bilhetes, uma hora antes de começar já tinham levantado todas as reservas, estava mesmo esgotado. Fiquei contente por ti.
– É o dia do espectador,
disse a senhora.
Eu nem sabia que havia um dia do espectador, mas ainda bem que há. Fomos jantar. Cada vez gosto menos de Lisboa, não tenho sítio para estacionar o carro e há gente a mais. Não gosto de pessoas. Mas comemos um cozido à portuguesa que apesar de não estar bom me soube bem e depois voltámos para o Estoril. Durante o caminho ela não disse nada. Acho que estava preocupada comigo.
Amanhã tenho aulas às 11h00. Vou tentar não chegar atrasado. Não sei mesmo o que dizer porque apesar de saber que este dia ia acontecer mais tarde ou mais cedo, a verdade é que não estava preparado para ele. Se calhar é para as coisas mais óbvias que estamos menos preparados.
E é isso, Will, ponho os meus phones, olho para a parede e tento continuar. E continuo. Continuo a continuar. Na verdade é bastante simples. Não é preciso acordar no sofá, no chão ou com um polícia a dizer,
– está tudo bem?.
às sete da manhã porque adormeci mal estacionei o carro. Não é preciso nada disso.  Não é preciso chorar para sofrer. Não é preciso matar-me para morrer.
E é isso, tento fingir que está tudo bem, tento fazer de conta. As pessoas dão-me palmadas nas costas e dizem que eu fiz as coisas bem, que o problema não é meu. Mas, explica-me, tu que inventaste o Homem antes do Homem saber quem era, explica-me uma coisa,
– porquê?

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