Tento começar e volto para trás. Acho que nunca sequer comecei
a começar porque de cada vez que quero começar a começar não tenho quem me
empurre ou não tenho quem me segure. A minha vida é assim, cheia de projectos.
Vou escrever três peças ao mesmo tempo e todas vão ser feitas, 2016 é que vai
ser. No teatro as coisas funcionam assim, decidimos fazer qualquer coisa,
falamos com as pessoas e as coisas acontecem. Na vida é mais complicado.
Decidimos fazer qualquer coisa, falamos com as pessoas e depois nada acontece
ou então acontece tudo ao contrário.
A minha vida cheia de projectos vai parecer muito melhor
quando for vista com a devida distância. Por enquanto parece ser só uma
improvisação que vai correndo bem para quem vê de fora. Estava a pensar nisto
quando me perguntaram,
– vais ficar sozinho por uns tempos?
E eu disse,
– Sim, vou ficar sozinho por uns tempos. Vou ficar em casa
sentado a escrever três peças ao mesmo tempo. Acho que isso me vai fazer bem.
Acho que me vai fazer bem chegar a casa e sentar-me e escrever três peças ao
mesmo tempo. Não sei como o vou fazer porque tenho medo de na minha cabeça
começar a confundir as peças umas com as outras e a vida com as peças, e por
isso talvez seja melhor ficar sozinho para o caso de não saber bem onde estou
ou com quem estou. Se não souber bem onde estou ou com quem estou, ao menos vou
estar sozinho, sentado a escrever três peças.
Olharam para mim durante muito tempo e disseram,
– devias tirar umas férias.
Entretanto o meu gestor de conta telefonou-me hoje à tarde a
dizer que estou falido.
– Estás falido, Miguel.
– Estou fodido?
– Não, não. Quer dizer, sim. Estás falido.
Gasto mais do que tenho e nem sei onde. O dinheiro é como o
tempo, foge-me das mãos. O dinheiro a fugir, o tempo a fugir. Parece que tudo
foge de mim, principalmente as pessoas. Parece que as pessoas fogem de mim.
Hoje, por exemplo, aconteceu-me estar parado numa rua em Lisboa – e eu cada vez
gosto menos de Lisboa – era já tarde e eu estava parado numa rua, quando uma
rapariga me disse (não vou contar a história),
– estás bem?,
que foi a mesma coisa que me perguntou o meu gestor de
conta.
– Não,
disse eu,
– tudo o que acontece parece que é ao contrário. Não. Não
estou bem. Acho que me estou a matar cada vez mais depressa. Parece que quero
acelerar o ritmo a que vivo, como se o amanhã fosse o agora, o hoje o ontem e o
ontem tivesse desaparecido. E como não sei lidar com isso, porque não sei lidar
com isso, vou escrever três peças ao mesmo tempo para ver se me livro desta
angústia de estar falido por dentro e por fora, de nada acontecer como eu quero
porque nada acontece como eu quero.
– És o maior,
disse o meu gestor de conta,
– o mais importante é o teatro. A única coisa que interessa
é o teatro.
E se calhar ele tem razão. E como se calhar ele tem razão
vou escrever três peças ao mesmo tempo
– cuidado,
disse o meu pai,
– não te esgotes,
e começar outra vez
do zero (eu gosto de começar do zero).
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