terça-feira, 27 de outubro de 2015

AQUI E AGORA

Há muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo e eu tenho de conseguir manter-me acordado. Não quero dizer com isto que vou adormecer, não estou à espera de cair para o lado cheio de sono e acordar um dia depois sem saber onde dormi, mas estou a tentar escrever três peças, duas, uma, pelo menos, e continuo a não conseguir começar. Olho para a parede
(quem conhece a minha casa sabe do que estou a falar)
e continuo a olhar para a parede e não consigo começar. Às vezes vou pôr-me a olhar para o espelho muito tempo, outras começo andar pela casa de um lado para o outro. A minha vizinha de baixo disse no outro dia que às vezes ouvia alguém a andar de saltos altos a altas horas da noite, acho que ela acha que eu trago prostitutas para casa de madrugada, mas na verdade são só os meus sapatos a ecoarem na tijoleira,
(tenho saudades da quinta)
sou só eu a andar de um lado para o outro, sem ideias, ou com demasiadas ideias, ou a fingir que tenho ideias. Pareço um fantasma a arrastar-me pela madrugada, devia tirar os sapatos ou ficar quieto, sem me mexer, a olhar para a parede, para os post-it na parede, à espera de começar ou de não começar porque alguém me disse alguma coisa.
As pessoas dizem-me coisas. As pessoas olham para mim e dizem-me coisas.
O meu gestor de conta disse-me,
– és a melhor pessoa que conheço,
isto foi há muito tempo.
O meu psicólogo disse-me,
– foda-se, Miguel, não digas isso,
e o Pedro gritou comigo e disse que eu estava a ser parvo, que as coisas não eram assim
(estávamos a falar de fichas de casino – é tudo metafórico)
Entretanto, a minha médica perguntou-me,
– como correu?,
e a Madalena disse em inglês no facebook,
– estás cada vez melhor e mais triste,
portanto não deve ter corrido muito bem.
Eu sei. Eu sei disso tudo.
(e agora um longo silêncio)
(que continua)
(e mais)
Vou ao supermercado comprar uma pizza, quando vou ao supermercado comprar uma pizza sei que estou à beira do suicídio.
(isto é um exagero literário)
Depois vejo um filme do Wim Wenders e a meio digo,
– não tens medo das palavras.   

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