– Desculpa,
disse eu.
– Não tem sido fácil.
O sol batia por detrás da tua cara e eu lembrei-me da última
vez em que estivemos na mesma situação. E tal como dessa vez, calei-me. Já não
há nada a dizer. E lembro-me do Tim Crouch, de uma pergunta que não é uma pergunta,
Acordei e olhei para o relógio. Como é que pode ser tão
tarde? Depois lembrei-me que ontem o tempo andou para trás. Mas mesmo assim
parece-me tarde, que mesmo com o tempo a andar para trás tudo passa demasiado
depressa. Levantei-me e fui almoçar. É uma coisa lógica que uma pessoa deve
fazer, levantar-se e ir almoçar. O John Grant lançou um álbum novo há uma
semana e ainda não o ouvi com atenção. Ponho os meus phones, carrego no play e vou almoçar. Está a chover.
Ultimamente parece que está sempre a chover. Levo um caderno e uma caneta, mais
um livro de entrevistas com o Jaques Le Goff. Estou à procura de ideias mas não
me consigo concentrar. O tempo começa a passar demasiado depressa e já estou a
ver um jogo de futebol. Sou do tempo em que um Benfica x Sporting não passava
na televisão. Ouvia o relato com o meu primo Marco, devia ter uns 10 anos e a
coisa era tão confusa que quando ouvíamos,
– Goooooooooooooooolo!,
ficávamos em suspenso sem saber qual das equipas tinha
marcado. O tempo passa. Ele hoje vive em Moçambique, tem duas filhas. Eu
continuo na mesma, porque apesar de ter uma televisão à minha frente nunca
consegui perceber qual das equipas tinha marcado,
– Foi golo de quem?,
perguntei ao Pedro, que ontem me disse, quando o tempo
estava a voltar para trás, que eu devia sair do buraco onde estou, que ninguém
quer ter nada a ver com um tipo que está num buraco tão fundo como o meu. E eu
sei que ele tem razão. E estou a rir-me disso. É estranho. São agora 03:43 e finalmente
consegui acalmar-me. O John Grant continua a tocar nos meus ouvidos, e ele diz,
– Geraldine, just tell me you didn’t have to
put up with that shit,
numa referência a Geraldine Page, que se fartou de fazer
Tennessee Williams, que a Eunice Muñoz dizia ser a minha cara chapada. O tempo
passa. Não sei por que razão me lembro destas coisas a esta hora, mas ajuda
lembrar-me destas coisas a esta hora. O tempo passa e o tempo não volta para trás.
Somos apenas
(vou escrever uma daquelas frases que fica na memória)
somos apenas uma memória.
– Vai dormir,
diz alguém, talvez seja eu.
diz alguém, talvez seja eu.
É estranho. Não pensei que fosse tão difícil. As pessoas
riem-se de mim e eu não me importo. As pessoas olham para mim e sinto um misto
de pena e . As pessoas olham para mim e eu estou a pensar no John Grant,
em qual das equipas marcou golo, na resposta a uma pergunta que não é uma pergunta, ou no sol a bater atrás da tua cara, e eu a
dizer-te,
– desculpa. Não tem sido fácil.
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