segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O QUE ACONTECE À ESPERANÇA NO FINAL DA NOITE

– Desculpa,
disse eu.
– Não tem sido fácil.
O sol batia por detrás da tua cara e eu lembrei-me da última vez em que estivemos na mesma situação. E tal como dessa vez, calei-me. Já não há nada a dizer. E lembro-me do Tim Crouch, de uma pergunta que não é uma pergunta, 
Acordei e olhei para o relógio. Como é que pode ser tão tarde? Depois lembrei-me que ontem o tempo andou para trás. Mas mesmo assim parece-me tarde, que mesmo com o tempo a andar para trás tudo passa demasiado depressa. Levantei-me e fui almoçar. É uma coisa lógica que uma pessoa deve fazer, levantar-se e ir almoçar. O John Grant lançou um álbum novo há uma semana e ainda não o ouvi com atenção. Ponho os meus phones, carrego no play e vou almoçar. Está a chover. Ultimamente parece que está sempre a chover. Levo um caderno e uma caneta, mais um livro de entrevistas com o Jaques Le Goff. Estou à procura de ideias mas não me consigo concentrar. O tempo começa a passar demasiado depressa e já estou a ver um jogo de futebol. Sou do tempo em que um Benfica x Sporting não passava na televisão. Ouvia o relato com o meu primo Marco, devia ter uns 10 anos e a coisa era tão confusa que quando ouvíamos,
– Goooooooooooooooolo!,
ficávamos em suspenso sem saber qual das equipas tinha marcado. O tempo passa. Ele hoje vive em Moçambique, tem duas filhas. Eu continuo na mesma, porque apesar de ter uma televisão à minha frente nunca consegui perceber qual das equipas tinha marcado,
– Foi golo de quem?,
perguntei ao Pedro, que ontem me disse, quando o tempo estava a voltar para trás, que eu devia sair do buraco onde estou, que ninguém quer ter nada a ver com um tipo que está num buraco tão fundo como o meu. E eu sei que ele tem razão. E estou a rir-me disso. É estranho. São agora 03:43 e finalmente consegui acalmar-me. O John Grant continua a tocar nos meus ouvidos, e ele diz,
Geraldine, just tell me you didn’t have to put up with that shit,
numa referência a Geraldine Page, que se fartou de fazer Tennessee Williams, que a Eunice Muñoz dizia ser a minha cara chapada. O tempo passa. Não sei por que razão me lembro destas coisas a esta hora, mas ajuda lembrar-me destas coisas a esta hora. O tempo passa e o tempo não volta para trás. Somos apenas
(vou escrever uma daquelas frases que fica na memória)
somos apenas uma memória.
– Vai dormir,
diz alguém, talvez seja eu.
É estranho. Não pensei que fosse tão difícil. As pessoas riem-se de mim e eu não me importo. As pessoas olham para mim e sinto um misto de pena e . As pessoas olham para mim e eu estou a pensar no John Grant, em qual das equipas marcou golo, na resposta a uma pergunta que não é uma pergunta, ou no sol a bater atrás da tua cara, e eu a dizer-te,
– desculpa. Não tem sido fácil.

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