Caro Will,
a vida vai andando com altos e baixos, nada de diferente do
habitual. Acabei de tirar o post-it
da parede que dizia,
– falta um dia.
Afinal não aconteceu nada de importante, nem para o mundo
nem para mim. Afinal só faltava um dia para acabar de te traduzir. E, sim,
tinhas razão, ganhaste. Esmagaste-me completamente. Cada frase que passa é uma
derrota. Derrota atrás de derrota. Não é fácil. Contei vinte e dois versos em que
ganhei, e mais oito em que talvez esteja empatado, foi só o que consegui. Mas consegui, Will, consegui. Só que desta vez não sinto nada. Nem alívio nem felicidade. Sinto-me apenas
mais velho e mais cansado. Estou muito cansado, Will, como se tudo o que fiz
tivesse sido feito agora e todo o peso das coisas desabasse sobre mim. E estou
a envelhecer. Estou a descobrir que estou a ficar velho. Daqui a dez anos não
me reconheço, daqui a dez anos já não te consigo traduzir e vou viver com a
sensação de que tudo passou e que não há nada para fazer. Sabes, estava a olhar
para o post-it na parede e estive
quase por substituí-lo por um que dissesse,
– é hoje.
Mas não é hoje, Will, pois não? Nem amanhã, nem amanhã, nem amanhã. Começo
a achar que tudo passou, que estou a ver os meus dias como se fosse outra
pessoa, não sei como mas o futuro deixou de ser uma coisa distante, de repente,
sem querer, já tudo aconteceu.
E é isso, a vida vai andando com altos e baixos, mas hoje,
Will, hoje parece que é um precipício sem fim.
P.S. Manda um abraço ao Ibsen, diz que sinto falta dele e que ele não se preocupe, ninguém reparou.
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