quinta-feira, 18 de junho de 2015

MELANCOLIA

Ando assim, distraído. Agora deu-me para andar a pé, o que é um problema quando a regressar para casa dou por mim na Parede ou em Algés, obrigado a chamar um táxi que me leve de regresso ao Estoril, a insultar-me a mim próprio porque estou a gastar dinheiro em táxis quando estava ao lado de casa. Mesmo assim, suponho que seja uma vantagem voltar a pé, se voltasse de carro dava por mim no Algarve ou em Espanha, e não havia táxi que me valesse.
Quando entro em casa falo com as minhas orquídeas, às vezes dou-lhes um beijo se estiver melancólico. Quase sempre estou melancólico. Acho que estive a vida toda melancólico. Mas às vezes estou mais. Quando estou melancólico e já é tarde sento-me à secretária e escrevo qualquer coisa como estou a escrever agora. Depois carrego no "publicar" e arrependo-me sempre, Nunca devíamos publicar nada, Tenho tido menos gostos e menos leitores, suponho que a maioria não seja melancólica, ou que não goste da melancolia. Eu gosto da palavra,
– m e l a n c o l i a
como uma espécie de janela onde as orquídeas nascem e continuam a nascer.
Ando assim, distraído. Fiz a última alteração no Peer Gynt,
                                                  (Solveig, tira-me deste caminho,
                                                  Que eu morro sem ti e morro sozinho.)
e continuo a lutar contra o Macbeth, que todos os dias me ganha e todos os dias me atrasa,
– desta vez não estás a ajudar, Will.
Ando assim, distraído. Os dias consomem-se como carvão e as noites são ilusões que me levam a caminhar até à Parede ou Algés. Estou a envelhecer mal, sem noção das coisas. Mas gosto das minhas orquídeas, gosto de as beijar quando chego a casa melancólico.

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