Tenho um post-it à
minha frente que diz,
– Faltam 15 dias.
Na verdade só faltam 14, mas tenho por hábito mudá-lo quando
acordo e não antes de me deitar. Desde há uns dias que quando me levanto vou
escrevendo num post-it,
– faltam 20 dias,
– faltam 19 dias,
atiro o anterior para o lixo, colo o novo na parede à frente
da minha secretária e começo a minha vida. Foi assim até agora e em todos os
momentos soube ao que se referia aquela contagem decrescente. Mas ainda agora, agora
mesmo, levantei os olhos e vi aquela mensagem,
– faltam 15 dias,
e não me lembrei que dias eram esses e o que ia acontecer no
final deles.
Muitas vezes achamos que sabemos o que vai acontecer. Quase
sempre sabemos o que vai acontecer, vamos jantar,vamos trabalhar, vamos dormir. Mas depois acontecem-nos coisas que não sabíamos que existiam e
nem jantamos, nem vamos trabalhar nem conseguimos dormir.
Faltam 15 dias para quê? Estarei a contar os dias finais do
mundo? Os meus dias finais?
(Não sejas assim.)
A descoberta da cura do cancro? Ia continuar com exemplos de
grande alcance, como energia limpa e gratuita para o mundo inteiro ou o
desarmamento global, mas contentava-me com o anúncio da cura do cancro em 15
dias.
No segundo a seguir lembrei-me da razão de ser do post-it, lembrei-me para que é que
faltam 15 dias, faltam 15 dias para entregar a tradução do Macbeth,
– 14,
mas gostava que fosse para outra coisa. Há coisas mais
importantes e até sou capaz de entregar tudo antes do tempo. Vou tentar fazer
isso e esperar que afinal os post-it na
parede sejam para outra coisa, e mesmo que ainda faltem 5 ou 6 dias e já tenha entregado tudo, vou
continuar a levantar-me e a trocá-los. E se não acontecer nada vou começar
outra vez, dos 20 ou dos 30, talvez. Porque espero que aconteça alguma coisa, alguma coisa realmente
importante, como descobrirem a cura do cancro ou tu estenderes a mão na
direcção da minha.
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