terça-feira, 16 de junho de 2015

MEIAS PALAVRAS

É quase meia-noite e estamos os três numa varanda com mais gente à nossa volta. O Pedro faz 30 anos e juntámo-nos para celebrar com vinho e comida vegetariana. Estamos a falar de As Raposas, que estreia na sexta-feira. O Victor diz que Walter Benjamin considerava o coleccionismo como um elemento de elevação do ser humano, não sei se foi isto que ele disse porque estou distraído a mandar uma mensagem enquanto eles falam,
– uns coleccionam objectos, outros arte, outros namoradas.
O Pedro ri e o Victor também. Ambos olham para mim. O Pedro diz que devíamos utilizar isto, o aqui e o agora no jogo com o espectador (por alguma razão estranha ambos acham que eu sou uma boa desculpa para a criação de um espectáculo), o Victor diz que o telemóvel também tem de entrar, que o público devia ver as mensagens e eles os dois não. Eu tento defender-me. Não colecciono nada. Só tento ser uma pessoa normal. 
Uma hora antes, a propósito de normalidade, contava eu que uma aluna, depois de me encontrar no supermercado, me perguntou junto à caixa,
– o professor também vai às compras?
como se a minha presença ali, naquele sítio tão mundano, fosse uma aberração do universo, uma contradição da ordem natural das coisas.
Acho que era isso que queria dizer na mensagem, que sou uma pessoa normal, com uma vida normal. Sonho como todos sonhamos e sou ridículo como todos somos ridículos.
Depois a noite continuou e eu vim para casa sem dizer o que realmente queria dizer.  

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