quinta-feira, 28 de maio de 2015

OS GÉMEOS

A Rita e o Pedro tiveram gémeos e eu nem sabia. Ainda nem sei o nome deles, só sei que é um casal e que correu tudo bem. Penso neles e lembro-me de nós sentados no Procópio. Acho que de alguma maneira ainda estou lá sentado a pedir whisky e a discutir os pormenores de uma editora que nunca foi feita ou das próximas contratações do Benfica.
Quase todos os meus amigos de infância têm filhos e casaram-se. Os meus amigos de infância não são amigos de infância, são amigos de adolescência, e por todos só falo de três, quatro com a Rita, que ficou com o Pedro, cinco com a Ana que não ficou comigo e que é irmã do Pedro. Íamos para o Procópio quase todas as noites, comprávamos uma garrafa de whisky e achávamos que éramos crescidos porque todos à nossa volta tinham idade para ser nossos avós. O Fillol irritava-se quase todas os dias e o Sá era normalmente quem o irritava. O Sá também teve um filho. Não tarda sou o único a fingir que ainda sou novo, fechado em casa a recusar-me a envelhecer, a impedir-me de ir para a cama cedo, a pedir whisky a um barman imaginário porque já ninguém se senta à minha mesa.
A vida, tenho vindo a descobrir, é uma sucessão de perdas. Vamos perdendo coisas todos os dias sem percebermos que elas deixam de existir. Perdemos os amigos, perdemos a noção de futuro, do que queremos ser, porque de repente já somos qualquer coisa e aquela conversa no Procópio sobre o que íamos fazer ficou ali, quieta, à espera de acontecer. Mas acho que o que mais perdemos é a ilusão de que isto está acontecer, a sensação de que o amanhã é muito longe e que temos a vida inteira para o encontrar.
Eu gosto da minha vida. Não gosto de mim, mas isso é outra história. Sou muito diferente do que achava que ia ser e tenho uma vida muito diferente da que achava que ia ter. Aos meus amigos de adolescência aconteceu-lhes o mesmo. Acontece-nos a todos o mesmo. Perdemos as coisas que estão à nossa volta. Agarramo-nos a outras e vamos seguindo, vamos seguindo sempre.
Estou feliz porque nasceram os gémeos. Penso neles sem nunca os ter visto e lembro-me de nós todos sentados no Procópio. Espero que eles um dia toquem à campainha e seja o senhor Luís a abrir a porta. Tenho a certeza que nos vão encontrar ali sentados, na primeira mesa à esquerda, atrás de um vidro fosco, a pedir whisky e a brindar a tudo o que não fizemos. 

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