«Toda a
literatura é viagem», digo aos meus alunos. Atribuo a frase a Céline, mas
cito-o de cor e talvez esteja enganado. A vida é uma viagem do ponto A até ao
ponto B, a literatura também. Há muitos tipos de viagem, há muitos tipos de A,
e muitos tipos de B.
No final do
século XV, por exemplo, o soberano da Boémia, por razões que não vêm ao caso,
enviou uma delegação de monges a Portugal, o fim do mundo, a finis terra, com uma determinada
proposta de paz entre toda a cristandade. A Europa era um sítio nada semelhante ao de hoje, repleta de estados com diferentes interesses e diferentes políticas. D.
Manuel não aceitou os termos, mas, querendo agradar, perguntou que presente Vladislau
II gostaria de receber pelo agravo da resposta negativa, ao que os monges
propuseram o envio de dois escravos negros para Praga, seres nunca antes vistos
naquelas paragens, e que fariam o regalo de Vladislau II. D. Manuel recusou, os
dois negros valiam pouco mais do que nada, enviá-los seria um insulto, uma
ofensa pelo seu baixo valor, e, depois de sair da sala, regressou com um
macaco que enviou ao homólogo da Boémia.
Muitos As e
muitos Bs.
Estou tão
cansado que não consigo dormir.
Não sei se
me sinto como os monges que atravessaram a Europa, os escravos negros que não
tinham valor, o macaco que era uma raridade valiosa ou a história que os une a
todos.
Seja como for, toda a literatura é viagem, e a vida também, podemos estar no ponto A ou no ponto B, mas desconfio que a maior parte de nós não está em lugar algum,
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