terça-feira, 5 de janeiro de 2016

ASCENÇÃO E QUEDA

Começar tudo outra vez e ser tudo igual. Quando era novo o que mais odiava era voltar às aulas. Não me apetece escrever. Continuo a odiar regressar às aulas, mas não cheguei atrasado. Cheguei a horas. Acho que estou a gritar demais. Por que estou a gritar? Tenho de organizar a minha vida. Decidir a que horas durmo e quantas horas durmo. Fazer uma lista com refeições para a semana toda, lavar a loiça, fazer a cama. Não. Tenho de contratar uma empregada. A solidão dos homens solteiros deve ser acompanhada por uma empregada. Não me interessa se é bonita ou feia, desde que faça a cama e lave a louça vou ficar contente. Quando era novo o que mais odiava era regressar às aulas, odiava a sensação de voltar a encontrar tudo na mesma, as mesmas caras, as mesmas pessoas.
– És um adulto, segue em frente,
isso disse-me ontem o meu agente quando falávamos sobre a minha vida, os meus projectos que não foram dar a lado nenhum.
– Tenho mil coisas para acabar e não consigo sequer começá-las,
isso não disse ao meu agente, isso disse em voz alta sem me aperceber ao balcão do bar. Tinha pedido um café,
– hã?,
diz-me uma voz ao lado. Tenho o café à minha frente e um homem sentado ao meu lado. Deve ter uns 80 anos mas está a beber um whisky como se fosse água. Eu trouxe um caderno que a Madalena me deu nos anos, tinha acabado de escrever na primeira página,
Resoluções para 2016:
1. contratar uma empregada
2. parar de gritar nas aulas
3. dormir 4 horas por dia
4. parar de fumar
5. parar de beber
6.
Foi no número 6 que hesitei e pensei,
– tenho mil coisas para acabar e não consigo sequer começá-las,
e depois ouvi o,
– hã?,
vindo do meu lado porque afinal o disse em voz alta.
– Não disse nada. Estava a comentar o jogo.
– Qual jogo?,
perguntou o homem de 80 anos enquanto olhava para a televisão que passava um filme com muitos tiros e explosões. Olhou para mim e olhou para o caderno que me deu a Madalena. Não sei se consegue ler o que escrevi mas diz,
– sabe uma coisa? Quando a vida lhe dá gelo, há que acrescentar-lhe whisky. Mas não se apaixone pelo whisky, ele nunca se vai apaixonar por si.
Sorri. Bebi o café. Pedi a conta. Paguei. Vim para casa. Quase me esquecia que amanhã tenho aulas. Quase me esquecia que ainda vou a meio das resoluções para o novo ano e como eu odeio a sensação de voltar a encontrar tudo na mesma, as mesmas caras, as mesmas pessoas.

Sem comentários:

Enviar um comentário