A noite vem e nós vamos. É sempre assim, vamos para algum
lado, nem que seja para casa.
Gostava de dizer mais, mas parece-me que é tudo o que tenho
a dizer. Não. Não é isso. Lembro-me muitas vezes do Chris Flanders, personagem
de Tennessee Williams, acusado de ser «um escritor que não escreve», «a writer
who doesn’t write», frase vergonhosamente plagiada pelo criador de californication, que às tantas punha uma
agente a acusar o sempre cool Hank
Moody de ser exactamente isso, uma negação de si mesmo, um paradoxo
insustentável: um escritor que não escreve. Podemos sempre falar sobre isso, escrever
sobre não se conseguir escrever, já o fiz no passado, mas hoje não, hoje apetece-me
dizer que a noite vem e nós vamos, vamos para algum lado. Eu vim para o
Estoril, deixei uma casa maior que este prédio e vim para aqui, perto de onde
trabalho mas exilado da minha vida. Fui feliz ali, aqui sou apenas um locatário
anónimo, ouço o autoclismo dos vizinhos e demoro oito passos da sala para o
quarto. É ridículo. Nem tudo é mau. Às vezes saio das aulas quase de noite e
pergunto-me como é que ainda tinha forças para 50 km até casa. É tudo uma
questão de hábito. Estou aqui e estou bem. Posso ir aos ensaios e em dois
minutos estou na escola. Mas tenho saudades dos meus cães, tenho saudades dos
meus cães tenho saudades dos meus cães tenho saudades dos meus cães. Desculpem
dizer isto, mas tenho saudades dos meus cães.
Desculpem.
A vida é uma merda. Não descobri isto hoje. Mas quando uma e
outra vez a vida é uma merda, parece que a única coisa que vale a pena são
mesmo os cães. E eu tenho saudades vossas: Blackie, Dingo e Zucco. E agora vou
tentar dormir. Ontem sonhei convosco,mas a noite e vem e nós vamos, temos sempre de continuar. Temos sempre se continuar.
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