quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

EDWARD HOPPER

Talvez este seja o dia mais difícil da minha vida e talvez no dia mais difícil da minha vida eu esteja sozinho a olhar para a imagem de um quadro que tu um dia pintaste mas que não é teu. Esqueci-me que fazias anos, acho que o ano passado também me esqueci que fazias anos. Não é esquecer-me, porque sei que fazes anos, é ir dizendo durante o dia, já mando uma mensagem, ou, daqui a nada telefono, e há sempre alguma coisa para fazer, há sempre qualquer coisa que me impede de mandar uma mensagem ou telefonar. E depois chego a casa e ainda é pior, porque é sempre pior. E agora são quase cinco da manhã e tento perceber se devo continuar a escrever, mandar-te uma mensagem a pedir desculpa ou ir dormir porque amanhã tenho aulas, e tenho aulas cedo.
Estou a olhar para a imagem de um quadro que uma vez pintaste numa tela no sotão. Lembras-te? Na altura ainda não namorávamos. Eu olhei e disse,
– isto é teu?,
tu riste-te e disseste que não. Disseste que era um Hopper e que estava uma merda. Eu achei que estava perfeito e não fazia ideia quem era o Hopper. Tivemos muitas discussões por causa dele, porque eu era estúpido e egoísta e agora, olha, tenho a casa cheia de Hoppers. Já não me lembro se namorávamos ou não, se calhar, sim, se calhar, não. Pouco importa, estava apaixonado por ti e qualquer momento ao teu lado era um sorriso, e a qualquer sorriso brilhavam-me os olhos, e se encostavas a tua mão no meu ombro, mesmo que fosse para perguntares as horas, era mais do que a vida inteira, era tudo o que eu queria, tu a tocares no meu ombro ou a olhares para mim.
Sabes, Ana, já nem sei há quanto tempo não falo contigo, há quanto tempo não sou convidado para o teu aniversário nem te convido para o meu. É estranho. E é ainda mais estranho fazeres anos hoje (ontem), porque hoje (ontem) foi um dia complicado. Foi mesmo complicado, Ana, talvez tenha sido o dia mais complicado da minha vida, mesmo que ninguém tenha dado por nada, mesmo que tenha passado despercebido para toda a gente. E houve muita gente que esteve comigo e que falou comigo hoje, Ana. Gosto da ideia de te ter telefonado e de tu teres percebido como eu estava. Mas não te telefonei. Não falei contigo.
E agora contava-te uma história com muitas histórias que se cruzavam, mas é estúpido fazer isso, já nem sequer somos amigos, acho que nem tenho o teu número de telefone – e namorámos quase sete anos – e fomos fiéis e aguentámos muita coisa. Não foi? Mas acho que não tenho o teu número de telefone. Ias rir-te de mim se te contasse esta história com muitas histórias que se cruzam. Ias rir-te e dizer,
– Oh, Miguel, a sério?,
e ias ter razão. Ias ter razão em dizer isso.
Espero que não estejas como eu, Ana, espero que tenhas encontrado o que eu nunca te consegui dar, porque ao fim destes anos todos, Ana, é estranho viver a mesma história outra vez, como me aconteceu contigo (e só tu vais perceber o que estou a dizer), mas desta vez sozinho, desta vez como num quadro do Hopper

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