Talvez este
seja o dia mais difícil da minha vida e talvez no dia mais difícil da minha
vida eu esteja sozinho a olhar para a imagem de um quadro que tu um dia
pintaste mas que não é teu. Esqueci-me que fazias anos, acho que o ano passado
também me esqueci que fazias anos. Não é esquecer-me, porque sei que fazes
anos, é ir dizendo durante o dia, já mando uma mensagem, ou, daqui a nada
telefono, e há sempre alguma coisa para fazer, há sempre qualquer coisa que me impede
de mandar uma mensagem ou telefonar. E depois chego a casa e ainda é pior,
porque é sempre pior. E agora são quase cinco da manhã e tento perceber se devo
continuar a escrever, mandar-te uma mensagem a pedir desculpa ou ir dormir
porque amanhã tenho aulas, e tenho aulas cedo.
Estou a
olhar para a imagem de um quadro que uma vez pintaste numa tela no sotão.
Lembras-te? Na altura ainda não namorávamos. Eu olhei e disse,
– isto é
teu?,
tu riste-te
e disseste que não. Disseste que era um Hopper e que estava uma merda. Eu achei
que estava perfeito e não fazia ideia quem era o Hopper. Tivemos muitas
discussões por causa dele, porque eu era estúpido e egoísta e agora, olha,
tenho a casa cheia de Hoppers. Já não me lembro se namorávamos ou não, se
calhar, sim, se calhar, não. Pouco importa, estava apaixonado por ti e qualquer
momento ao teu lado era um sorriso, e a qualquer sorriso brilhavam-me os olhos,
e se encostavas a tua mão no meu ombro, mesmo que fosse para perguntares as
horas, era mais do que a vida inteira, era tudo o que eu queria, tu a tocares no
meu ombro ou a olhares para mim.
Sabes, Ana,
já nem sei há quanto tempo não falo contigo, há quanto tempo não sou convidado
para o teu aniversário nem te convido para o meu. É estranho. E é ainda mais
estranho fazeres anos hoje (ontem), porque hoje (ontem) foi um dia complicado.
Foi mesmo complicado, Ana, talvez tenha sido o dia mais complicado da minha
vida, mesmo que ninguém tenha dado por nada, mesmo que tenha passado
despercebido para toda a gente. E houve muita gente que esteve comigo e que
falou comigo hoje, Ana. Gosto da ideia de te ter telefonado e de tu teres
percebido como eu estava. Mas não te telefonei. Não falei contigo.
E agora
contava-te uma história com muitas histórias que se cruzavam, mas é estúpido
fazer isso, já nem sequer somos amigos, acho que nem tenho o teu número de
telefone – e namorámos quase sete anos – e fomos fiéis e aguentámos muita coisa.
Não foi? Mas acho que não tenho o teu número de telefone. Ias rir-te de mim se
te contasse esta história com muitas histórias que se cruzam. Ias rir-te e dizer,
– Oh, Miguel,
a sério?,
e ias ter razão.
Ias ter razão em dizer isso.
Espero que
não estejas como eu, Ana, espero que tenhas encontrado o que eu nunca te consegui
dar, porque ao fim destes anos todos, Ana, é estranho viver a mesma história outra
vez, como me aconteceu contigo (e só tu vais perceber o que estou a dizer), mas
desta vez sozinho, desta vez como num quadro do Hopper.
Gostei, e uma vez mais não fiquei surpreendido com este brilhante texto.
ResponderEliminarparabéns.
obrigado, leitor assíduo. é bom saber que somos lidos e, por vezes, apreciados.
Eliminarés o maior Miguel!
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