Um dia fui para os Açores e fiquei lá três anos. Se hoje parece
outra vida é porque foi realmente outra vida. Como era rico, viajava três ou
quatro vezes por ano para Lisboa. No Natal e no Verão, claro, mas também para
ver um concerto dos Pearl Jam (o
dicionário devia acrescentar o termo estupidez para definir a juventude) ou porque me apetecia comprar livros. Na altura a
FNAC tinha acabado de abrir e qualquer diletante que se prezasse ia directo
para a secção de literatura estrangeira e saía de lá com um misto de clássicos que
não eram publicados e contemporâneos que não eram traduzidos. Se o Dâmaso Salcede
entrasse na FNAC diria que era «chic a valer». Cheirava a modernidade, a cosmopolita, uma
espécie de prova que Portugal começava a pertencer à Europa e a deixar de ser o
«país mais selvagem de todas as Áfricas», como dizia o Almada. Isto foi na
idade da pedra, o mundo era muito mais pequeno, não havia amazon e a internet andava a dois à hora. Eu gostava da FNAC,
gostava tanto que até pagava sessenta contos de avião para vir comprar o último livro do Don DeLillo a
Lisboa e exibi-los depois numa esplanada a meio do Atlântico.
Lembrei-me disto porque é Domingo e estupidamente decidi
estender-me no sofá e ver televisão. Às tantas apareceu um anúncio. Como todos
os anúncios quer vender-nos uma ideia através de uma história com a qual nos
identifiquemos. A ideia é que temos de ir à FNAC comprar livros, a história é a
de uma tal Joana que é leitora compulsiva apesar do aspecto algures entre o
tonta-que-ri-por-tudo-e-por-nada e o jovem-que-leva-a-vida-com-a-inconsciência-de-um-caracol.
A narradora (o público alvo é bem evidente) lá vai dizendo em voz jovial que a
Joana lê tudo, lê policiais, lê romances, lê poesia, lê banda desenhada, até lê
manuais de instrução. E a Joana quando tem vontade de ler o que é que faz? Vai
à FNAC porque a FNAC é bestial. Na FNAC ela pode ler os policiais, os romances,
as bandas desenhadas e a poesia que quiser porque a FNAC é tão amiga da Joana
como a Joana é da FNAC. Felizmente que esta Joana não lê Teatro, nem Filosofia,
nem História, porque senão estava tramada. Teria de se contentar com os
filósofos de supermercado, com os historiadores de supermercado e com o Felizmente há Luar.
Aqui fica o meu apelo: não vão à FNAC, boicotem a FNAC,
quanto muito, roubem na FNAC. Em tempos teve glamour, mas foi há muitos anos e durante muito pouco tempo. Até
parece que estou a falar de outra coisa.
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