segunda-feira, 20 de abril de 2015

UMA PARÁBOLA

Um dia fui para os Açores e fiquei lá três anos. Se hoje parece outra vida é porque foi realmente outra vida. Como era rico, viajava três ou quatro vezes por ano para Lisboa. No Natal e no Verão, claro, mas também para ver um concerto dos Pearl Jam  (o dicionário devia acrescentar o termo estupidez para definir a juventude) ou  porque me apetecia comprar livros. Na altura a FNAC tinha acabado de abrir e qualquer diletante que se prezasse ia directo para a secção de literatura estrangeira e saía de lá com um misto de clássicos que não eram publicados e contemporâneos que não eram traduzidos. Se o Dâmaso Salcede entrasse na FNAC diria que era  «chic a valer».  Cheirava a modernidade, a cosmopolita, uma espécie de prova que Portugal começava a pertencer à Europa e a deixar de ser o «país mais selvagem de todas as Áfricas», como dizia o Almada. Isto foi na idade da pedra, o mundo era muito mais pequeno, não havia amazon e a internet andava a dois à hora. Eu gostava da FNAC, gostava tanto que até pagava sessenta contos de avião para vir comprar o último livro do Don DeLillo a Lisboa e exibi-los depois numa esplanada a meio do Atlântico.
Lembrei-me disto porque é Domingo e estupidamente decidi estender-me no sofá e ver televisão. Às tantas apareceu um anúncio. Como todos os anúncios quer vender-nos uma ideia através de uma história com a qual nos identifiquemos. A ideia é que temos de ir à FNAC comprar livros, a história é a de uma tal Joana que é leitora compulsiva apesar do aspecto algures entre o tonta-que-ri-por-tudo-e-por-nada e o jovem-que-leva-a-vida-com-a-inconsciência-de-um-caracol. A narradora (o público alvo é bem evidente) lá vai dizendo em voz jovial que a Joana lê tudo, lê policiais, lê romances, lê poesia, lê banda desenhada, até lê manuais de instrução. E a Joana quando tem vontade de ler o que é que faz? Vai à FNAC porque a FNAC é bestial. Na FNAC ela pode ler os policiais, os romances, as bandas desenhadas e a poesia que quiser porque a FNAC é tão amiga da Joana como a Joana é da FNAC. Felizmente que esta Joana não lê Teatro, nem Filosofia, nem História, porque senão estava tramada. Teria de se contentar com os filósofos de supermercado, com os historiadores de supermercado e com o Felizmente há Luar.
Aqui fica o meu apelo: não vão à FNAC, boicotem a FNAC, quanto muito, roubem na FNAC. Em tempos teve glamour, mas foi há muitos anos e durante muito pouco tempo. Até parece que estou a falar de outra coisa.

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