A
sorte é assim, a sorte vai e a sorte volta
diz o Peer
Gynt à mãe logo no início da peça. Eu estou naquela fase em que a sorte se foi
embora para qualquer lugar distante. A sorte é importante, farto-me de dizer
isso aos alunos. E eles acreditam no que estou a dizer. E fazem bem em
acreditar.
Conheci na
vida pessoas com sorte e pessoas sem sorte. O meu tio Manel é o exemplo típico
da pessoa sem sorte. Jogou durante anos nos mesmos números no totoloto e na única
semana em que não jogou porque estava de férias em Cuba saiu a chave que ele
sempre apostava. Claro que há quem diga que o meu tio Manel tem a sorte de
poder ir passar férias a Cuba porque herdou a fortuna do sogro que morreu
atropelado dois meses depois de ele se ter casado com a minha tia Madalena. Mas
também é verdade que se vai a Cuba todos os anos não é propriamente pelas
férias mas pela fisioterapia com um especialista cego, porque ao tentar salvar
o sogro do atropelamento deslocou uma anca, e para além de coxo ficou com dores
permanentes que o impedem sequer de subir uma escada. Além disso, no ano
passado, o fisioterapeuta cubano cego enganou-se na anca e deslocou também a
outra. Pelo que como consequência de toda esta história, o meu tio Manel é
agora coxo das duas pernas e gastou a fortuna do sogro no fisioterapeuta cego, e
tudo isto por uma manifesta falta de sorte.
Já o meu
amigo Diogo é um caso raro de sorte. Nasceu no seio da aristocracia falida e
continuou os muitos vícios genéticos que o pai lhe transmitiu. Até aqui, nada
de bom, mas quando vai ao casino aposta no zero e ganha sempre, quando vai às
putas não paga porque é bem-parecido e brasonado e quando na Faculdade faltava
a uma frequência tinha a sorte do professor perder os testes e de lhe dar
um catorze por não saber se o Diogo tinha ou não entregado. Um dia
estávamos os dois nas bancadas do Campo Pequeno, ele levanta-se, acende um charuto
e diz bem alto que este país é uma choldra, e logo um senhor robusto de bigode
retorcido lhe diz que afinal a juventude não está perdida e que tem um cargo de
administrador para lhe oferecer. O Diogo casou cinco anos depois com a
Constança, ela é psicóloga. Têm dois filhos. A Constança é estúpida que dói.
Perguntou-me há uns dias se era mesmo verdade aquela história de que não me
tinham dado o Nobel porque eu me recusava a dar entrevistas. Quando saiu da
sala, o Diogo disse-me,
– Já viste a
sorte que tenho?
Vou voltar
ao princípio porque quase me perdi. 2015 tem sido uma merda. Uma merda malcheirosa. Não que haja
merda que cheire bem, mas há aquela que cheira tão mal que infesta o ar e nos
causa um esgar de sofrimento, há aquele cheiro a merda que se entranha e que
não sai, por muito que nos afastemos, por muito que tapemos o nariz. 2015 tem
sido assim. Mas,
A sorte é assim, a sorte vai e a sorte volta.
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