domingo, 10 de abril de 2016

ROCK AND ROLL (7)

Alguns de vocês já viram o Neil a tocar ao vivo. Alguns de vocês já o viram no final de um concerto a rodopiar a guitarra sobre a cabeça, o resto da banda a tocar e o Neil no palco com o cabelo de um lado para o outro, como se fosse um super-herói a voar pelo céu. O Neil com vontade de espatifar a guitarra contra o chão, mas o Neil a saber que se espatifar a guitarra contra o chão vai ter de comprar uma nova, e o Neil não tem dinheiro para comprar uma guitarra nova, e por isso apenas a rodopia no ar, como se fosse uma ventoinha.
– I don’t give a fuck,
diz o Neil quando o dono do bar lhe diz que as quarentonas gostam de músicas animadas, que elas querem ouvir músicas dos anos 80, coisas mexidas que as fazem recordar que quando eram novas iam ser felizes. O dono do bar diz que elas bebem mais quando se lembram do passado,
– elas bebem mais quando se lembram do passado.
O Neil olha para ele e diz,
– I don’t give a fuck,
e é capaz de começar com Bob Dylan e acabar com o Papa Loves Mambo, só porque lhe apetece. São as quintas-feiras do Neil. E às quintas-feiras o Neil faz o que lhe apetece, às quintas-feiras quem manda é o Neil, e as quarentonas pedem sempre mais uma pint, mesmo que não tenham sede, e às vezes até puxam o top para cima e mostram as mamas ao Neil, mesmo quando não beberam nada.
Eu estou ao balcão. Estou sempre ao balcão, parece que a minha vida é passada ao balcão de um bar. Parece que a minha vida é um bocado de madeira debaixo dos meus cotovelos e eu a dizer,
– outro,
enquanto me vão servindo whisky e me vão servindo whisky e me vão servindo whisky.
– Estou farto de mim,
digo ao Neil quando ele se senta ao meu lado num intervalo,
– we’re gonna take a small break, don’t go away, the booze’s on the counter and I’ll be there too, ladies.
(toda a gente se ri e bate palmas)
 – thank you, thank you, it’s good to be here. It’s good to be here again.
E depois sai do palco que não é um palco. E caminha com as botas de cowboy até ao balcão. E pede whisky.
– How’re you doing, Mike?
Eu olho para ele e abano a cabeça. As coisas estão a mudar. As coisas estão a mudar para melhor. As coisas só são más quando acreditamos que elas são más. As coisas só são más quando deixamos que elas tomem conta de nós, como tu tomaste conta de mim,
– what?,
diz o Neil,
– nada,
digo eu.
– Where is she?,
diz o Neil,
– where is that woman that is a goddess?
As garrafas balançam à minha frente e eu balanço com elas, dançamos todos, eu e as garrafas, mesmo sem o Neil a cantar, mesmo comigo sentado ao balcão e as garrafas quietas atrás da miúda que me vai servindo whisky quando digo,
– outro.
Ela foi-se embora, Neil, ela tinha de se ir embora,
– why?
pergunta o Neil, acho que está preocupado.
Está muito barulho. Há uma miúda com uns vinte anos sentada ao meu lado, quer pedir uma cerveja mas não consegue que a ouçam. Do outro lado do balcão uma quarentona não larga os olhos do Neil enquanto ele fala comigo,
– what happened?,
eu estou a pensar em ti enquanto me lembro de ti,
– estava a pensar numa ideia para uma história,
digo eu ao Neil,
– um escritor que conhece uma mulher, e ela é perfeita, é perfeita em tudo, e o escritor é um merdas, é um merdas em tudo. Mas mesmo assim ela quer estar com ele, ela quer mesmo estar com ele. Às vezes isso acontece, às vezes isso acontece mesmo. E depois, quando ele está sozinho, em casa, ele pergunta porquê e ele percebe que ela não é uma mulher, que ela é uma deusa, como na antiguidade, e ele escreve num caderno,
– a mulher que é uma deusa,
ele escreve isso num caderno. E depois ele escreve uma história sobre isso. Ele disfarça a realidade com a ficção. Ele finge que isto não está a acontecer. Ele pede outro whisky.
O tempo passa. O Neil está outra vez no palco. Eu estou ao balcão. E tu, estás onde?

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