domingo, 3 de abril de 2016

ROCK AND ROLL (6)

O Neil está deprimido. O Neil diz que o mundo anda ao contrário, que ele não compreende como podem as pessoas acordar de manhã e abrirem os olhos para o dia e pensarem,
– vou levantar-me.
O Neil toma dois anti-depressivos ao pequeno-almoço, bebe uma caneca de chá preto, come uma torrada e volta a enfiar-se na cama. Enterra a cabeça na almofada e diz,
– fuck the world,
enquanto volta a adormecer sem pensar noutra coisa que não seja dormir.
Combinámos almoçar num sushi às duas da tarde, um daqueles em que se pode comer até cair. O Neil disse que lhe apetecia saqué, mas que não tinha fome, eram sete da manhã e eu tinha vindo de Lisboa e tinha ido ter com ele a um bar em Cascais que ainda estava aberto. O Neil estava perdido de bêbado, eu estava só perdido. Também não tinha fome, não me apetecia saqué, mas pensei que talvez às duas da tarde tivéssemos fome e que eu podia beber outra coisa qualquer. Pedi um whisky. Pedir um whisky às sete da manhã é sinal de que ainda não se viveu nada ou de que já se viveu tudo, inclino-me para a segunda hipótese. Fomo-nos embora passados 10 minutos, o Neil disse que conhecia um café que já estava aberto, eu perguntei-lhe se se ele queria que eu o levasse a casa,
– no, man, I’m gonna walk, it won’t hurt me and maybe it’ll make me some good. How about you, how was your night?,
eu digo,
– até amanhã, Neil, já é tarde,
enquanto caminho na direcção contrária e o ouço ao longe a dizer,
– if you don’t like the subject, just change the conversation, right?, I know that one,
e ri-se,
– don’t you mind those fucking bitches, Mike, not only they’re bitches but they’re also dykes.
Pensei chegar a casa e dormir, enfiar-me nos lençóis e fechar os olhos. Às vezes as coisas mais simples são as mais difíceis. Sentei-me no sofá, fumei quatro cigarros seguidos, levantei a cabeça e apaguei o cigarro. Depois fui até à varanda. O Sol batia-me na cara. Olhei para baixo e pensei que estou só a oito andares do chão, a quatro ou cinco segundos do chão, pensei. Depois voltei para dentro de casa, parei um momento, e fechei a cortina.
O Neil chegou eram três da tarde, eu já tinha almoçado. Ele pede desculpa,
– São três da tarde, Neil,
e ele pede desculpa outra vez, ele diz que adormeceu, ele diz que está nervoso por causa do concerto de hoje à noite, ele diz que acha que ela talvez apareça, que talvez ela apareça para o ver, que talvez ela faça isso, que talvez ela tenha deixado o professor de educação física com uma deficiência na fala e sinta a falta dele, que talvez ela sinta falta de estar com ele, de o abraçar,
– what do you think?,
diz o Neil,
e eu digo-lhe que acho melhor ele habituar-se à ideia de que ela nunca vai voltar. Eu digo-lhe que talvez seja melhor ele começar a pensar em voltar para os Estados Unidos, que de certeza que há coisas em casa que são importantes e que a única coisa que ele está aqui a fazer é perder tempo, é a perder a vida por causa de uma gaja que não vale nada, que o trocou por um professor de educação física com uma deficiência na fala,
– uma gaja que provavelmente nem se está a rir de ti neste momento porque ela nem sequer está a pensar em ti,
eu digo-lhe que de certeza que ele tem coisas importantes em casa, que não são os concertos em Cascais ou as aulas de guitarra que interessam, eu digo-lhe que ele tem de pensar nas coisas, que não pode continuar a/  
– well, I do have my daughter,
diz o Neil,
– she’s five, it’s been five years since I last saw her.
E depois ficamos a olhar um para o outro durante pouco tempo, é mesmo pouco tempo, não é literário, não é, muito tempo, é pouco tempo porque eu olho para a mesa e ele olha para a janela. Ficamos em silêncio muito tempo. A senhora vem com o saqué. Eu afinal também quero. Eu digo,
– obrigado,
enquanto ele bebe o primeiro copo de uma vez.
– Tu tens uma filha? Estás aqui perdido neste país de merda, nesta cidade de merda, nesta aldeia de merda e tens uma filha?,
– she tells me I’m insane, do you think I’m insane?,
pergunta o Neil.

Sem comentários:

Enviar um comentário