Aos Domingos lembro-me de ex-namoradas porque como não
consigo encontrar uma única coisa para fazer, tento recordar o que fazia quando
tinha alguém ao meu lado, mas só me consigo lembrar de almoços de família,
supermercados e sestas no sofá. Talvez afinal esteja melhor sozinho porque como
não tenho quem me diga,
– vai almoçar com a tua mãe,
ou,
– já não vês o teu pai há quinze dias,
acabo por lhes dizer que tenho ensaio e muitas coisas para
fazer e aproveito para dormir até ser quase de noite, e como já nem sequer faço
o almoço e à noite encomendo uma pizza
por telefone também não vou ao supermercado, e como durmo até não poder mais
não faço sestas no sofá, apenas vagueio pela casa a pensar em coisas que me vão
surgindo na cabeça, como ex-namoradas ou Domingos em que havia qualquer coisa
para fazer.
Ao final da tarde lembrei-me da guitarra. Passei a semana sem
tocar, deitado na cama, inchado de tosse febre espirros arrepios comichões, com
um lenço na mão e um pacote de lenços na outra, a tirar um lenço e a deitá-lo
fora, e depois outra vez. Eu a assoar-me e a espirrar e deitar o lenço fora e a
tirar outro e a dizer aos alunos,
– se eu desmaiar não se admirem.
Os alunos riem-se e eu continuo a dar a aula, a
interromper-me com ataques de tosse e murros na parede.
– Alergias,
disse a minha médica,
– a quê?,
perguntei.
E ela calada a olhar para mim.
– Vou receitar-te um anti-histamínico, um anti-depressivo e
um calmante, e não te preocupes, podes beber whisky à vontade.
– A sério?
– Sim,
disse ela.
– Miguel,
disse ela quando me levantei,
– lembras-te do que aconteceu da última vez?
E eu lembro-me do que aconteceu da última vez, lembro-me
porque não é fácil esquecer-me, não é fácil fazer de conta que não aconteceu,
nem é fácil imaginar-me outra vez assim, doente sem diagnóstico, com a minha
médica a perguntar,
– o escritor és tu, qual é a palavra para a ausência de
sentimentos?,
e eu automático,
– indiferença.
– Não tenho medicamentos que curem isso,
dizia ela, e agora diz,
– queres voltar ao que aconteceu da última vez?
Eu olho para ela e digo que não. Digo que não e que vou
tomar os comprimidos, que vou parar, que eu sei que ela tem razão, que ela não
tem de se preocupar, que eu vou ficar bem, que é só tomar os comprimidos à
noite antes de ir dormir e não beber muito whisky.
Isto foi na sexta-feira. Acordei hoje e só percebi que era
Domingo porque tinha trinta e oito chamadas não atendidas e achei que era
demais. Achei que ninguém tem trinta e oito chamadas não atendidas numa só noite.
E depois percebi que já era Domingo. E depois pus-me a pensar no que havia de
fazer porque não tinha nada para fazer. Olhei para a guitarra. E já não sei se
pensei em ex-namoradas ou em futuras namoradas, se pensei no que fazíamos ou no
que vamos fazer, porque uma e outra coisa me parecem tão distantes quanto um Si
Bemol de um Ré.
– You just
have to practice,
diz o Neil.
– You just
have to understand the position of the fingers, the different position of the
fingers. And then you repeat, one, two, three, four, and then you loop that,
diz o Neil,
– you just
loop that until you get it,
diz o Neil,
– and then
it becomes you, and as it becomes you, you start to feel it. You really feel
it.
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