segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

AMIGOS DISTANTES

Lembro-me da primeira vez que me senti assim. Foi há quatro anos e eu ia dar aulas no primeiro dia a seguir às férias do Natal, é a única coisa que me lembro desse dia. Quando estava a sair da auto-estrada, o locutor anunciou a próxima música, is anything wrong de Lhasa de Sela, que tinha morrido dois ou três dias antes com 37 anos: cancro da mama. Era de manhã, estava sol e foi daquelas poucas vezes em que quase comecei a chorar, em que me senti sozinho, perdido, incapaz de compreender o que estava ali a fazer, a existência de tudo à minha volta.
Em que momento é que deixamos de acreditar naquela estúpida ideia de imortalidade? Parece que de cada vez que nos morre alguém voltamos a essa certeza, por isso se calhar nunca nos livramos dela.
E estas pessoas de quem gostamos mas com quem nunca falámos? Músicos, actores, filósofos, escritores. Não sabemos nada sobre eles mas vivemos uma vida a ouvi-los, a lê-los, a olhar para eles sem nunca os termos conhecido, e gostamos deles porque de alguma maneira achamos que nos daríamos bem se nos encontrássemos um dia. Ficam connosco. Lembramo-nos da música que estava a tocar quando nos apaixonámos, do filme que fomos ver ao cinema antes de nos beijarmos, de ouvirmos os mesmos discos, de lermos os mesmos livros. Estranhos que entram pela nossa vida e passam a ser amigos de casa. E depois, um dia, eles morrem. E mesmo sabendo que não nos são nada, ficamos tristes, talvez porque não fomos capazes de os ajudar quando eles nos ajudaram tantas vezes.
Quando me sinto assim penso nos dinossauros. Penso muitas vezes nos dinossauros. Não é só nos 75 milhões de anos que nos distanciam deles, mas principalmente nos mais de 130 que por cá andaram. Hoje são fósseis e ossos, nem sequer sabemos de que cor eram, não fazemos ideia, pintamo-los de verde porque a maioria dos lagartos são verdes, mas até podiam ser amarelos ou cor-de-rosa, ou até transparentes. Penso nos dinossauros porque duvido que a humanidade se aguente tanto tempo quanto eles sem nos espatifarmos uns aos outros, basta olhar para o que fizemos até agora para termos uma ideia do que nos pode acontecer, e somos ainda crianças. E depois lembro-me da sonda Pioneer 10, com aquela célebre imagem de um homem e de uma mulher a saudar o Universo, a vaguear sozinhos pelo espaço. Daqui a 75 milhões de anos talvez seja só isso que resta de nós, e talvez uma nova espécie habite este planeta e nos coloque, anónimos, num museu de história natural, sem saber sequer de que cor era a nossa pele.
Estou triste. Sei que é estúpido sentir-me assim, mas é como me sinto. E por falar em amigos que morreram, queria perguntar-te, Will, se as coisas eram diferentes no teu tempo, se éramos mesmo feitos da mesma matéria que os sonhos. É que  parece que hoje somos apenas pesadelos, Will, daqueles que nos afastam do mundo e nos metem uma puta de uma agulha no braço e nos deixam estendidos numa casa-de-banho. Sozinhos numa casa-de-banho aos 46 anos com uma puta de uma agulha no braço, Will.
E não compreendo. A sério que não compreendo.

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