Lembro-me da primeira vez que me senti
assim. Foi há quatro anos e eu ia dar aulas no primeiro dia a seguir
às férias do Natal, é a única coisa que me lembro desse dia.
Quando estava a sair da auto-estrada, o locutor anunciou a próxima
música, is anything wrong de Lhasa de Sela, que tinha morrido
dois ou três dias antes com 37 anos: cancro da mama. Era de manhã,
estava sol e foi daquelas poucas vezes em que quase comecei a chorar,
em que me senti sozinho, perdido, incapaz de compreender o que estava
ali a fazer, a existência de tudo à minha volta.
Em que momento é que deixamos de
acreditar naquela estúpida ideia de imortalidade? Parece que de cada
vez que nos morre alguém voltamos a essa certeza, por isso se calhar
nunca nos livramos dela.
E estas pessoas de quem gostamos mas
com quem nunca falámos? Músicos, actores, filósofos, escritores.
Não sabemos nada sobre eles mas vivemos uma vida a ouvi-los, a
lê-los, a olhar para eles sem nunca os termos conhecido, e gostamos
deles porque de alguma maneira achamos que nos daríamos bem se nos
encontrássemos um dia. Ficam connosco. Lembramo-nos da música que
estava a tocar quando nos apaixonámos, do filme que fomos ver ao
cinema antes de nos beijarmos, de ouvirmos os mesmos discos, de
lermos os mesmos livros. Estranhos que entram pela nossa vida e
passam a ser amigos de casa. E depois, um dia, eles morrem. E mesmo
sabendo que não nos são nada, ficamos tristes, talvez porque não
fomos capazes de os ajudar quando eles nos ajudaram tantas vezes.
Quando me sinto assim penso nos
dinossauros. Penso muitas vezes nos dinossauros. Não é só nos 75
milhões de anos que nos distanciam deles, mas principalmente nos
mais de 130 que por cá andaram. Hoje são fósseis e ossos, nem
sequer sabemos de que cor eram, não fazemos ideia, pintamo-los de
verde porque a maioria dos lagartos são verdes, mas até podiam ser
amarelos ou cor-de-rosa, ou até transparentes. Penso nos dinossauros
porque duvido que a humanidade se aguente tanto tempo quanto eles sem
nos espatifarmos uns aos outros, basta olhar para o que fizemos até
agora para termos uma ideia do que nos pode acontecer, e somos ainda
crianças. E depois lembro-me da sonda Pioneer 10, com aquela célebre
imagem de um homem e de uma mulher a saudar o Universo, a vaguear
sozinhos pelo espaço. Daqui a 75 milhões de anos talvez seja só
isso que resta de nós, e talvez uma nova espécie habite este
planeta e nos coloque, anónimos, num museu de história natural, sem
saber sequer de que cor era a nossa pele.
Estou triste. Sei que é estúpido
sentir-me assim, mas é como me sinto. E por falar em amigos que
morreram, queria perguntar-te, Will, se as coisas eram diferentes no
teu tempo, se éramos mesmo feitos da mesma matéria que os sonhos. É
que parece que hoje somos apenas pesadelos, Will, daqueles que nos
afastam do mundo e nos metem uma puta de uma agulha no braço e nos
deixam estendidos numa casa-de-banho. Sozinhos numa casa-de-banho aos
46 anos com uma puta de uma agulha no braço, Will.
E não compreendo. A sério que não
compreendo.
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