Escreve, disse ele. Escreve qualquer coisa.
Estou a desaparecer.
A minha médica às vezes pergunta como estou. Eu respondo que
estou bem. E estou bem. Não estou doente, não me dói nada. E como não estou
doente nem me dói nada, porque não me dói nada, nem o joelho nem a cabeça nem o
peito, é porque estou bem. Há bocado até me fartei de rir com uma anedota que
me contaram, era sobre um anão e um preto e começava numa casa de banho, mas
não me lembro como acabava. Estou cansado. Acho que afinal me dói qualquer
coisa, afinal acho que estou doente. No outro dia disseram-me,
– tens muitas razões
de queixa, tu
num tom irónico. E não tenho. Se pensar no assunto não tenho
razões de queixa. Mesmo se não pensar no
assunto sei que não tenho razões de queixa.
Mas estou a desaparecer.
O mais difícil às vezes é encontrar uma razão para fazer as
coisas. Faz o almoço, faz o jantar, limpa a casa, vê as notícias, lava a loiça,
fala com as pessoas, vai ver o teu e-mail, toma um banho, compra um casaco, lê
qualquer coisa, vai à rua, sorri para as pessoas, sê simpático, sê simpático
foda-se, senta-te e lê qualquer coisa, ouve música, não dês um murro na parede,
para que é que deste um murro na parede? E entretanto fecho a porta e olho para
mim.
Estou a desaparecer.
Tive de acrescentar furos aos cintos. Emagreci tanto que nada
me serve. Tenho em mim o desconforto de um caixão. Parece que estou a encolher.
A encolher tanto que por muitos furos que acrescente nenhum cinto será
suficiente para me apertar tanto que eu sinta o aperto de um abraço.
É assim que me sinto. Estás a plagiar-te. Vai à varanda,
olha para a Lua e pensa neles. Já estou na varanda, já estou a pensar neles.
Não faças isso. Não escrevas isso. Não escrevas o que vais escrever. Está bem, Vou escrever outra coisa.Estou a desaparecer. Só tenho pele e osso, percebes? Só pele e osso. Não. Já nem pele tenho, sou só ossos. Sou só ossos que se mexem porque se continuam a mexer. Achas que consegues ver os meus ossos?
Não estou a desaparecer.
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