domingo, 5 de julho de 2015

ECLIPSE

Ela está olhar para ele. Ela está a sorrir. Ela diz,
– Não digas nada agora, estás transparente.
Ele continua a olhar para ela. Ia falar mas fica calado. Ia dizer uma coisa, duas coisas, três coisas, mas não diz nada. Mantém-se sentado a olhar para ela. Há um silêncio. Ele desvia o olhar. Olha para o chão, para a parede, para a janela. Olha lá para fora, para a rua. Pensa se ela continuará a olhar para ele enquanto ele olha lá para fora. O sol nasceu há muito tempo. Está calor. Ele não consegue dormir. Ele nunca consegue dormir. Ele acende um cigarro porque nestas situações não há nada a fazer a não ser acender um cigarro, e depois volta a olhar para ela porque por muito que tente manter o olhar fixo no chão, na parede ou lá fora, ele sabe que não consegue deixar de olhar para ela.
Ele está cansado. Sente que vai morrer a qualquer momento. Lembra-se de ter escrito isso uma vez e de ter deixado uma pessoa a chorar por causa disso. Ele volta a olhar lá para fora, lembra-se de Rimbaud.
Sur l'onde calme et noire où dorment les étoiles,
La blanche Ophélia flotte comme un grand lys,
Flotte très lentement, couchée en ses longs voiles...
—On entend dans les bois de lointains hallalis...
Ele nem sequer gosta de Rimbaud, mas lembra-se dele. E ela não tem nada de Ofélia. Estúpidas associações, pensa ele. Estúpidas associações. Ele continua a olhar lá para fora, está tão transparente que todos percebem o que ele ia dizer. E por isso cala-se. E por isso continua a olhar lá para fora. Está calor. O sol vai alto. Ele não consegue dormir.

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