Estou tão vazio
que quando acabar a CASSIOPEIA me vou apaixonar. Vou apaixonar-me a sério, com
filmes no sofá e passeios de pés descalços à beira-mar. Se for a tempo ainda
vou celebrar o 25 do 4. Vou gritar, «viva a liberdade», e insultar os polícias,
se houver polícias, mas deve haver polícias, vou gritar «filho-da-puta» de boca
bem aberta. Não. Isso seria demais. Lamento, mas isso não vou fazer. Isso seria
demais, nem eu acreditaria nisso. Vou apaixonar-me, isso chega.
Estou farto de
ser assim. Vou passar a beber água e sorrir quando me sorriem. Vou apanhar sol.
É isso. Hei-de sair de casa um dia e dizer que vou apanhar sol. Vou dizer para
a cama depois de me levantar: «vou apanhar sol», e a cama há-de sorrir-me e
dizer-me sem voz, «senta-te numa esplanada, pede uma água e apanha sol: tudo
vai fazer sentido». Toda a gente gosta disso, por que não hei eu de gostar? Que
frase complicada. Gostava de escrever com erros ortográficos e gramaticais. Gosto de pessoas
que escrevem no facebook a vida que têm
com erros ortográficos e gramaticais. Gostava de ser estúpido. Se eu fosse estúpido
a vida de certeza que faria sentido. E se estivesse numa esplanada, ao sol, a
escrever a minha vida com erros ortográficos e gramaticais, então seria o pico
da felicidade humana. As pessoas haviam de dizer que estou com bom aspecto, que
rejuvenesci, e eu ia gostar de ouvir isso e iria sorrir, iria sempre sempre
sorrir, como um pateta.
O ICTUS está a
acabar. Faltam quatro dias para as personagens morrerem, quatro dias para
deixarem de existir. Devia estar deprimido, mas não vale a pena. Depois há-de
começar tudo outra vez, com outra peça, outras palavras. O Shakespeare, que
sabia tudo antes de nós sabermos, percebeu cedo a verdade das coisas: tudo
acaba e tudo se repete, e o tudo é um nada maior que o infinito.
Vou
apaixonar-me. Vou acabar a CASSIOPEIA e o ICTUS vai acabar. Depois vou olhar
para ti e vou apaixonar-me. Vou apaixonar-me mesmo. E seremos feitos da mesma
matéria que os sonhos.
Very nice. Gostei
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