quarta-feira, 23 de abril de 2014

ESCREVER

Quando escrevo alguma coisa, ponho tudo o que tenho lá dentro. Isso não é agradável. Nem agradável nem saudável, uma rima que não quis fazer mas que agora que a fiz não a quero desfazer. Vou mantê-la.
Não conseguimos viver a vida. Acho que ninguém consegue. Todos encontramos uma forma de escapar, uma forma de fingir que a vida é qualquer coisa que passa ao nosso lado, que nós a estamos a ver mas que ela não existe. O tempo passa depressa, já estamos na Páscoa e parece que foi ontem, mas a culpa é nossa. Não vivemos todos os dias como se fosse o último e por isso temos medo. Eu não tenho medo.
Tenho muitos problemas.
Estou a escrever uma peça. Chama-se CASSIOPEIA. Estreia daqui a 22 dias e ainda não a acabei. Não estou preocupado com isso. Comecei a pensar nela em Dezembro, comecei a escrevê-la a meio de Março. Tinha um prazo, estou atrasado um mês. Não estou preocupado com isso. Falta-me só a última cena. São doze, já escrevi onze. Os actores estão a ensaiar. Falta-me a última cena. É o texto mais difícil que já escrevi. Todos são difíceis. Mas este parece estar a invadir a minha vida. O meu método está a dar cabo de mim. Não gosto de escrever sobre como escrevo, parece-me uma coisa que é só minha, que ninguém tem direito a sabê-la. Estou preocupado comigo. Parece que estou a desistir, sinto-me a desaparecer.
Sabem como um fósforo se acende? É assim que eu me sinto, todos os dias. Todos os dias como se fosse uma chama enorme que depois se acalma e tenta respirar. E esta última cena, esta última cena está a dar cabo de mim de uma maneira tão grande que me afastei dela e escrevi isto. Não vejo ninguém, não estou com ninguém, A minha família pergunta-me por que não fui ao almoço de Páscoa. E eu não sei responder.
Não sou eu.
Mas falta uma cena, uma cena apenas, a mais difícil. Escritores de merda com ideias de merda. Odeio todos os escritores. Menos o F. Scott Fitzgerald, o Hemingway, o Joyce, o Poe, o Carver, o Faulkner, a Dorothy Parker (com quem eu me poderia ter casado), o Tennessee Williams, o Capote e o Shakespeare. Bela lista. O resto são uns merdas. 

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